Cascavel - O ataque aéreo de Israel contra líderes do Hamas em Doha, capital do Qatar, reacendeu a instabilidade no Oriente Médio e trouxe novos riscos para a economia global. A ação, classificada por países árabes como crime e violação das leis internacionais, foi seguida de um alerta da Arábia Saudita: se os bombardeios continuarem, as consequências poderão ser “extremamente perigosas” para a região.
Os mercados reagiram de imediato. O petróleo subiu mais de 2%, mostrando como tensões políticas se refletem rapidamente em setores estratégicos. Para o Brasil, maior importador mundial de fertilizantes, o episódio acendeu um sinal de alerta: ainda que não haja impacto direto no fornecimento desses insumos, a cadeia produtiva pode sentir efeitos indiretos nos próximos meses.
“Por enquanto, o mercado de fertilizantes não foi afetado”, explica Marcelo Mello, head de fertilizantes da StoneX, em entrevista concedida à equipe de reportagem do Jornal O Paraná. “Mas é preciso cautela, porque o Qatar vinha atuando como mediador do conflito. A perda desse canal de negociação pode aumentar a tensão, e isso tem reflexos no comércio internacional.”
O grande ponto de atenção é o Irã. O país é um dos principais fornecedores de ureia, produto essencial para a agricultura brasileira. Atualmente, os preços estão em queda, o que trouxe algum alívio para os custos de produção. No entanto, um eventual envolvimento direto de Teerã no conflito pode inverter essa tendência. “O Irã tem peso significativo na oferta de ureia. Se ele entrar no confronto, é provável que os preços subam rapidamente”, avalia Mello.
Para o produtor rural brasileiro, o risco não está apenas no preço do fertilizante em si, mas também no efeito em cadeia provocado pela alta do petróleo. O gás natural, derivado do petróleo, é a principal matéria-prima para fertilizantes nitrogenados. Além disso, um cenário de guerra prolongada pode comprometer rotas marítimas vitais no Golfo Pérsico e no Estreito de Hormuz, encarecendo fretes internacionais e atrasando entregas.
Na prática, isso significa que o agricultor pode enfrentar custos maiores em duas frentes: na compra do insumo e no transporte até o Brasil. Para um setor que depende de importações para suprir 85% da demanda de fertilizantes, qualquer turbulência geopolítica é motivo de preocupação.
Segundo Mello, ainda não há razão para pânico, mas sim para prudência.
“O produtor precisa acompanhar o mercado e planejar suas compras com mais atenção. Se os preços permanecerem em queda, pode ser um bom momento para garantir parte da necessidade futura. Mas, diante da instabilidade no Oriente Médio, não dá para descartar movimentos bruscos de valorização.”
Cenário exige estratégia e monitoramento
O cenário exige, portanto, estratégia e monitoramento. Muitos agricultores costumam esperar pela baixa do mercado para realizar compras maiores, mas um conflito internacional pode mudar o rumo dos preços de um dia para o outro. Nesse sentido, especialistas recomendam diversificação de fornecedores e negociação antecipada com tradings e cooperativas, como forma de reduzir riscos.
O episódio em Doha mostra como acontecimentos distantes podem se refletir diretamente no dia a dia do campo brasileiro. O produtor, que hoje colhe os benefícios de um mercado mais favorável de fertilizantes, precisa ter consciência de que a tranquilidade pode não durar. Em um mundo cada vez mais interligado, a segurança da produção agrícola depende também da estabilidade política a milhares de quilômetros de distância.
Recorde
As importações brasileiras de fertilizantes neste mês de agosto foram recorde, superando 5 milhões de toneladas, segundo o relatório semanal da StoneX, empresa global de serviços financeiros. No último mês, o aumento nas compras deste tipo de insumo foi 10% superior comparando com o mesmo período do ano passado, cenário impulsionado pelo aumento das compras de matérias-primas essenciais para a produção nacional, como amônia, ureia, enxofre, KCl, DAP, MAP, NAM, NP, SAM, SSP e TSP.
De acordo com o relatório da StoneX, o aumento das importações também foi impulsionado pela maior procura por fertilizantes menos concentrados, tendência que marcou o mercado brasileiro em 2025.