
Paulo é desses tipos que o Rio quase não produz mais. Carismático, bom frasista, amigo de todo mundo, do carteiro ao imortal. Além dos livros, das revistas e dos quadros, guarda na banca algumas garrafas de uísque, que, depois do fim do expediente no entorno, regam conversas sobre cultura, religião, política, futebol.
? Aqui se discute de tudo, só não pode radicalizar ? avisa o livreiro, que interrompe a frase para cumprimentar um funcionário da ABL que passa: ? Muito bom mesmo o ?Zero??, do Umberto Eco. Valeu pela dica.
A primeira vez que Paulo entrou na ABL foi bem antes de vir a ser vizinho. Leitor voraz, ele diz, já assistia a palestras por lá. Foi no vaivém delas que bateu o tino para o potencial da banca, que jazia fechada há cinco anos.
? Achei que seria uma vitrine cultural ? diz ele, que também ganha seu pão com checagem de autenticidade e aferição de valor de objetos de arte. (Quando segue estes rumos, deixa a banca aos cuidados de uma das filhas, Bruna, de 21 anos, estudante de Museologia, e Sophia, 18, aluna de Arquitetura).
Paulo devora, principalmente, ?pré-socráticos e poesia??. Augusto dos Anjos, Rimbaud e Mário Faustino. Por este último, é um apaixonado. Jornalista, crítico literário e poeta, Faustino nasceu em Teresina e foi criado no Rio. Em 1962, aos 32 anos, estava dentro de um Boeing da Varig que partiu do Galeão com destino à Cidade do México e caiu perto de Lima, no Peru. Deixou apenas um livro publicado, ?O homem e sua hora?? (Livros de Portugal, 1955). Paulo tem a primeira edição, ?livro 127, meu xodó??:
? Fui criado no meio de livros. No começo eu sofria quando vendia um livro ou um quadro de que gostava muito, mas a gente tem que sobreviver…
Sobreviver dos quadros e gravuras é mais difícil, as vendas são mais esparsas. Mas Paulo afirma já ter comercializado um Athos Bulcão dos anos 50, cujas negociações começaram na banca e terminaram em Ipanema. Seu acervo ainda guarda algumas obras de nomes brasileiros, como uma tela do gaúcho Vladimir Machado e uma litografia do surrealista Darcílio Lima (1944-1991).
Alguns xodós o livreiro guarda para si mesmo. São títulos autografados pelos próprios autores, principalmente membros da ABL: Antônio Torres, Ferreira Gullar, Arnaldo Niskier…
? Ele é um alfarrabista e marchand sempre em busca de obras perdidas no tempo, entre as quais verdadeiras raridades, como me aconteceu semana passada, ao ver em sua banca um quadro de Samson Flexor, o que acabo de relatar para o filho dele, o psicanalista e músico André Flexor, em casa de quem estou hospedado, em Paris. Além de um achador de preciosidades, gosta de contar histórias engraçadas, o que por si só pede uma paradinha diante da sua banca ? conta o escritor Antônio Torres, por e-mail, de Paris.
?LIVROS RETRÔ? E CULTURA

? Ele vende livros retrô, é amigo dos acadêmicos. Nunca comprei lá, mas penso que quem se interessa por cultura deve ser valorizado.
Paulo diz que os acadêmicos compram pouco, mas admiram.
? Uma vez, o Bechara (o gramático Evanildo Bechara) me encomendou uma biografia do Marques Rebelo (pseudônimo literário do jornalista carioca Eddy Dias da Cruz). Demorei, mas consegui pra ele ? lembra.
Edições raras de ?Os sertões??, de Euclydes da Cunha, estão difíceis de achar em sebos, feiras e espólios garimpados por Paulo. Segundo ele, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e Agatha Christie são os mais procurados entre seus cinco mil títulos. Apesar do pouco tempo no ramo de livros raros, Paulo já sente efeitos da crise. Talvez por isso a banca ande tão eclética: de ?30 anos de Sambódromo, o maior espetáculo da terra?? ? com fotos dos banqueiros do jogo do bicho Anísio Abraão David, Capitão Guimarães, Luizinho Drumond e Carlinhos Maracanã ? a volumes dos códigos Civil e Penal. O livro mais barato custa R$ 5. O mais caro, ele não comenta:
? Costumo dizer que resisto porque insisto.
Paulo também é discreto sobre os bastidores da ABL:
? Tem muita história divertida e curiosa. Mas não quero falar. Seria indelicadeza.