Pouco valorizado e ainda sem contar com uma política de incentivo específica por parte do Governo Federal, o setor de transporte rodoviário sente o impacto da recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) diretamente na Lei do Motorista. O maior temor é com o aumento de custos financeiros e operacionais a partir da postura do Supremo considerando inconstitucional, quatro pontos da Lei 13.105/2015.
As mudanças vão afetar, por exemplo, o tempo de espera, fracionamento do intervalo, descanso semanal e repouso com veículo em movimento. A corte julgou a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5322, questionando vários trechos da lei que se aplica aos motoristas do setor.
Em Cascavel, o presidente do Sintropar (Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Oeste do Paraná), Antonio Carlos Mufato Ruyz, classifica a decisão do STF como um retrocesso no transporte rodoviário de cargas brasileiro. “Essa mudança em vigor desde julho traz um aumento no custo operacional no segmento de transportes superior a 30% e uma redução na produtividade de 25% dos caminhões”, aponta.
Segundo Ruiz, foram 20 itens questionando a constitucionalidade. Deste total 16 o STF entendeu serem constitucionais, em contrapartida, quatro foram os que geraram o impacto mais significativo. Entre os pontos, consta a hora de espera, que antes era fracionada e agora já não pode ser. Também a dupla jornada, em que caminhões poderiam circular com dois motoristas, passou a ser inviabilizados. “Mesmo com dois motoristas, o descanso tem que ser com o caminhão parado”.
Sobre o DSR (Descanso Semanal Remunerado), antes era possível acumular esse descanso em até três vezes, até três fins de semana e quando retornava para a base, cumpria o descanso. Agora, isso não é mais possível. É preciso descansar durante a semana. Para Ruiz, essa situação inviabiliza as transportadoras que têm uma média de longa de distância. “Isso porque o motorista precisa fazer o seu descanso longe da sua base. Antes, era possível fazer isso em casa. Sabemos que o País não tem infraestrutura necessária para que possa abrigar os motoristas para descanso. Ou seja, tudo que vem ocorrendo é algo muito ruim para o setor produtivo. Nós, como transportadores, precisamos compartilhar isso com os demais setores, pois a conta não vai ficar somente com o transporte. Vai sobrar também para a indústria, comércio e consumidor”, salientou Ruiz.
Embargos
Em nota, a Fetranspar (Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná), comenta que a CNT (Confederação Nacional do Transporte) e a CNTTT (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes), protocolaram os embargos de declaração solicitando a modulação dos efeitos da decisão do Supremo, que declarou diversos dispositivos da Lei. O recurso encaminhado pelas entidades quer esclarecimentos do STF sobre a possibilidade de uma autorização para que os temas declarados inconstitucionais possam ser submetidos à negociação coletiva.
Conforme a Fetranspar, em regra, quando uma lei é declarada inconstitucional, como no neste caso, “os efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade da norma retroagem até a publicação da lei. Ou seja, a lei é inválida desde o seu início. Todos os negócios jurídicos que foram realizados, do início da vigência da lei até a declaração de sua inconstitucionalidade, são nulo e, se houver interesse da parte prejudicada, pode esta pedir reparação na justiça. Em relação à Lei 13.103/15, esta retroatividade causaria um grande impacto negativo no setor, uma vez que, cumprindo uma lei inconstitucional, estariam, por exemplo, as empresas de transportes na iminência de terem que reparar danos referentes a todo o período de vigência dos dispositivos que foram invalidados, desde o início da vigência da lei, causando, por exemplo, uma enxurrada de ações trabalhista postulando a reparação dos danos”.
A partir da aprovação da modulação, o objetivo é permitir que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade sejam iniciados em data diferente do início da vigência da lei. Ou seja, pode ser a partir da decisão do STF ou em momento futuro. Neste caso, o que passou até a decisão do STF estaria certo e acabado. A partir da decisão ou de momento futuro, as empresas deveriam seguir estritamente o que foi decidido pela Corte Suprema.
“Assim, aguardaremos a decisão do Supremo Tribunal Federal, esperando que seja aceita a modulação dos efeitos da decisão constante na ADI 553, para fins de garantir a segurança jurídica das relações do setor”, comentou o presidente do Sistema Fetranspar, Coronel Sérgio Malucelli, em nota.
Setor apreensivo
Embora, a maior parte dos dispositivos questionados pelo STF tenha permanecido inalterada, pontos nevrálgicos para o funcionamento das transportadoras foram julgados inconstitucionais, o que traz preocupação, afirma Narciso Figueiroa Júnior, assessor jurídico da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).
“O que preocupa mais as empresas são os quatro itens considerados inconstitucionais, porque eles têm impacto grande, tanto nas operações das empresas quanto na gestão administrativa e no custo das empresas”, afirma. Segundo o deputado federal Zé Trovão, coordenador da Frente Parlamentar das Cooperativas de Transporte Rodoviário de Cargas, a decisão da corte trará consequências negativas para os trabalhadores e para as empresas. “O transportador autônomo não tem condições de cumprir essa lei. Ele mal consegue se sustentar. Se ele tiver que cumprir regras tão severas como essas, ele vai deixar de trabalhar, vai deixar de fazer o giro financeiro dele”, critica.
“Para as empresas fica pior. A transportadora vai cobrar mais caro, porque ela vai ter mais uma despesa, ela vai ter mais um motorista dentro do caminhão, é mais um cara que está gerando encargos trabalhistas. Vai ter que aumentar o frete e, aumentando o frete, aumenta o [preço do] produto final”, avalia.
Tempo de espera
Os ministros do STF decidiram pela inconstitucionalidade do trecho da lei que estabelecia que o tempo de espera não seria contabilizado na jornada de trabalho ou como hora extra. Segundo a CLT, as horas em que o motorista ficava aguardando carga ou descarga do caminhão, bem como o tempo gasto com fiscalização da mercadoria, eram consideradas tempo de espera. Embora esse período não fosse computado como jornada de trabalho, os trabalhadores eram indenizados em 30% do valor da hora normal.
A partir de agora, o tempo de espera faz parte da jornada regular e tem fim a indenização paga pelas empresas. Segundo a CNT, a medida vai atrapalhar o controle do tempo efetivo de trabalho e a flexibilidade na execução dos serviços. A entidade diz que isso poderá causar aumento de custos operacionais para as transportadoras.
Fracionamento do intervalo
Também foram considerados inconstitucionais o fracionamento do intervalo interjornadas de trabalho e a coincidência desse intervalo com os períodos de parada obrigatória, como os momentos de pesagem ou fiscalização da carga.
De acordo com a decisão, dentro das 24 horas de trabalho o motorista deverá parar para descansar por 11 horas seguidas. Antes, ele podia dividir as 11 horas em um período de oito horas ininterruptas, podendo distribuir as três horas restantes ao longo da jornada.
Descanso semanal remunerado
O descanso semanal também passará por mudanças. De acordo com a lei, nas viagens de longa distância com duração superior a sete dias, o motorista tem assegurado o repouso de 24 horas que, agora, vão se somar às 11 horas do repouso diário, totalizando 35 horas sem interrupções. O STF proibiu também dispositivo que permitia aos motoristas acumularem até 3 descansos semanais consecutivos.
Além disso, o trabalhador não poderá mais ter a opção de usufruir do repouso semanal quando retornar à base da empresa ou ao seu domicílio. O entendimento da CNT é de que o motorista terá de ficar parado em algum ponto de parada, geralmente um posto de serviço, para tirar as horas de descanso, mesmo que esteja próximo de casa.
Repouso com veículo em movimento
O STF também invalidou trecho que permitia a possibilidade de o repouso semanal ser realizado dentro do veículo em movimento, nos casos de dois motoristas trabalhando no mesmo caminhão.
Agora, o tempo em que um deles está dirigindo e o outro está dormindo na cama da cabine ou descansando é considerado jornada de trabalho. Ou seja, se um caminhão trafegar por 12 horas, mesmo que cada funcionário dirija por seis horas, deverão ser computadas 12 horas de trabalho para cada motorista.
Portanto, serão necessárias mais paradas para que os motoristas possam aproveitar o repouso previsto em lei. De acordo com a CNT, a decisão do STF poderá aumentar o custo do frete, encarecendo as operações e pressionando a inflação em toda a cadeia produtiva. As viagens serão mais demoradas e onerosas, avalia a entidade.