Cascavel - Chegar em casa depois de um dia longo, abrir o portão, dar aquele “oi” para os vizinhos, tomar um banho, jantar e dormir em paz. Parece simples, né? Pois é… mas em Cascavel, cidade que se orgulha de ser “Capital do Oeste” e também “Capital dos Ventos” (só falta “Capital das Árvores Caindo” e “Capital dos Buracos”), esse sonho pode ser interrompido por um detalhe nada agradável: a insegurança.
O conhecido e notável desenvolvimento acelerado de Cascavel trouxe prosperidade e também desafios típicos de metrópoles: aumento populacional, maior circulação de pessoas e, consequentemente, o crescimento de crimes como furtos, arrombamentos e até mesmo casos graves de violência.
E, enquanto uns contam carneirinhos para dormir, outros ficam acordados contando quantos arrombamentos já aconteceram na vizinhança. O descanso, que deveria ser garantido, virou artigo de luxo. E, como se sabe, alguns temas são sempre “prioridade”, especialmente em ano eleitoral. Depois, até continua na pauta, mas perde um pouco a força…
Do susto à revolta
O clima de apreensão ganhou força em março, quando Luiz Lourenço, o popular “Luizinho”, foi brutalmente assassinado em plena luz do dia, próximo ao Parque Vitória. A arma do crime? Um cano de PVC recheado com concreto. O caso chocou a cidade e fez o alerta da população disparar mais alto do que sirene de fábrica.
Até então, o aumento no número de moradores de rua era tratado pelo poder público como “probleminha administrável”. Mas depois do crime, a reação foi “imediata” e diversas operações foram realizadas pelas ruas, discursos inflamados apareceram e… alguns meses depois, tudo “se acalmou”. Quer dizer, mais ou menos. O medo ficou. E sair pelas ruas ou dormir tranquilo continua sendo privilégio de poucos.
A solução vem dos moradores!
A Constituição brasileira estabelece que segurança é dever do Estado, mas diante da realidade, a comunidade decidiu não esperar pelo Poder Público. No Bairro Caravelle, na região do Lago, um morador tomou a dianteira e apresentou um projeto inovador: o “cercamento digital” do bairro. A ideia foi debatida em assembleia com dezenas de famílias, que aprovaram a implantação de um sistema de monitoramento moderno, capaz de transformar o Caravelle em um dos bairros mais seguros do Paraná.
Pedro Tochetto, engenheiro, vizinho, contribuinte e agora “visionário da segurança doméstica”, apresentou um projeto ousado. “Tive essa iniciativa e passei a estudar. Busquei conhecimento na China para que fosse um projeto viável, barato e que entregasse resultado”, relatou Tochetto.
O sistema promete enviar alertas em tempo real para todos os moradores. Passou alguém suspeito? A notificação chega no celular antes mesmo de a pessoa terminar de atravessar a rua. Pedro conta que foi até a China buscar referências. Sim, a China! Enquanto muita gente vai a Foz comprar muamba, ele foi buscar know-how tecnológico. E o melhor: trouxe a ideia de algo viável e acessível.
O sonho é grande: transformar o Caravelle realmente no bairro mais seguro do Paraná. Um lugar onde o máximo de “crime” seja a vizinha passando em alta velocidade no carrinho de feira.
Custos: A matemática da tranquilidade
O plano é simples de explicar: instalar câmeras inteligentes nas entradas e saídas do bairro, criando um monitoramento 24 horas por dia. Um verdadeiro “Big Brother”, só que sem paredão, ou melhor, só tem paredão quando o meliante é identificado e as forças de segurança acionada. O projeto foi abraçado pela comunidade e já está a caminho de ser realidade.
Afinal, se o Poder Público não garante a paz, os vizinhos se juntam, fazem aquela famosa “vaquinha” e garantem o serviço eles mesmos. Na ponta do lápis, cada família paga R$ 278 de uma vez só, e depois apenas R$ 4 por mês para manter tudo funcionando. Sim, quatro reais. Menos do que um café no shopping. Mais barato do que o aluguel da Netflix.
Serão instalados 16 totens com mais de 80 câmeras de alta resolução, capazes de realizar reconhecimento facial, identificação de placas de veículos em movimento e detecção inteligente de invasões. O investimento inicial está estimado em R$ 235 mil em equipamentos e R$ 16 mil em serviços de manutenção, totalizando R$ 251 mil. Cada residência deverá contribuir com uma taxa única de R$ 278,00. A manutenção mensal, incluindo internet e suporte técnico, será de R$ 3,5 mil (R$ 4,00 para cada casa).
Na assembleia realizada em de agosto, a Associação de Moradores ficou lotada (foto). A adesão surpreendeu e as famílias que sofreram com furtos e arrombamentos reforçaram a importância do projeto. “O cercamento vai evitar que casas que já foram assaltadas cinco vezes sejam novamente invadidas”, disse Tochetto.
Os números:
- 900 residências;
- 2,4 mil moradores;
- 16 totens espalhados;
Mais de 80 câmeras de alta resolução, com direito a reconhecimento facial.
O investimento:
- R$ 235 mil em equipamentos;
- R$ 16 mil em manutenção;
Total: R$ 251 mil.
Para inveja dos filmes de espionagem
- Primeiro condomínio fechado virtual de Cascavel;
- Perímetro 100% monitorado, 24h por dia;
- Inteligência Artificial que detecta pessoas e veículos;
- Leitura de placas em movimento;
- Alertas imediatos de invasão, cruzamento de linha e movimentações suspeitas;
- Integração com interfones IP para comunicação direta com a polícia.
*Até James Bond ficaria orgulhoso.
E as câmeras da Prefeitura?
A pergunta é inevitável: “Mas e as câmeras da Prefeitura?” Boa lembrança! Cascavel já tem cerca de 1,9 mil câmeras públicas, distribuídas em escolas, Cmeis, praças e repartições. Bonito no papel, mas… na prática, servem muito mais para vigiar se alguém não pulou o muro da escola ou se a praça continua inteira depois do vento.
A ideia de um cercamento digital chegou a ser cogitada na gestão passada, mas acabou ficando na gaveta das promessas.
O secretário municipal de Segurança, coronel Lee, reconheceu que a proposta do Caravelle é interessante, inovadora e até poderia ser replicada em outros bairros. O problema é o “orçamento” Segundo ele, o Município não dispõe de orçamento para financiar projetos dessa magnitude nos bairros, mas o modelo do Caravelle pode servir de inspiração. “É interessante e merece ser analisado pelo Poder Público”, declarou.
Moral da história
Enquanto o Poder Público pensa, discute, analisa e agenda reuniões, os moradores do Caravelle decidiram agir. Criaram um modelo que pode virar referência para toda Cascavel – e quem sabe, para o Paraná. No fim das contas, fica o recado bem-humorado (e um pouco ácido): “Se a Prefeitura não faz, o povo faz”.