A queda de temperatura tem aquecido o mercado do descaminho de vinho na fronteira do Brasil com a Argentina, em Foz do Iguaçu, e na divisa em Dionísio Cerqueira, em Santa Catarina. Essa entrada ilegal de vinho argentino tem como principal chamariz, o preço, muito por conta da desvalorização da moeda argentina, tornando a bebida e outras iguarias mais baratas para o consumidor brasileiro.
E não é por acaso que o Brasil é o maior mercado receptor de vinho argentino da América do Sul. O volume de apreensões aumentou de maneira substancial nas alfândegas situadas na divisa dos dois países. Somente nos primeiros quatro meses deste ano – de janeiro a abril -, a Delegacia da Receita Federal de Foz do Iguaçu, apreendeu carregamentos totalizando R$ 2,5 milhões. Para ter uma dimensão da evolução deste tipo de apreensão, ao longo de todo o ano passado, foram apreendidos e encaminhados para o depósito da Receita Federal em Foz do Iguaçu, cerca de R$ 5,9 milhões.
Em entrevista exclusiva concedida ao Jornal O Paraná, o delegado da Alfândega da Receita Federal de Foz do Iguaçu, auditor-fiscal Paulo Bini – que já exerceu a mesma função em Cascavel anos atrás -, fez uma avaliação do cenário e do trabalho desenvolvido para coibir este tipo de prática. “Esse aumento de apreensões é em decorrência natural do descaminho sobre este produto específico”, disse.
Ao ser questionado se a Receita Federal tem deflagrado ações para reduzir este tipo de prática, Bini afirmou que não há ações específicas “sobre este ou aquele produto específico”. Segundo ele, a Receita Federal não está a serviço de um segmento industrial típico, e sim, segue na missa de garantir o tributo e coibir o contrabando e descaminho como um todo.
Quem for flagrado com vinho argentino, perde a mercadoria, sofre representação fiscal para fins penais e dependendo do volume e do valor, corre o risco de perder o veículo. “A prisão é cabível se a quantidade for muito grande”, resume.
Todo o vinho apreendido pela Receita Federal é destruído e o vidro vai para reciclagem. O líquido é destinado às universidades para transformação em álcool gel. A destruição do vinho é permanente.
Para ele, o volume apreendido de vinho em valores é pouco, se comparado ao volume total de mercadorias, algo em torno de R$ 250 milhões a cada seis meses.
Ação conjunta apreendeu 12,5 mil garrafas
Uma das grandes apreensões de vinho no Oeste neste ano, ocorreu na segunda quinzena do mês de maio, no posto da Polícia Rodoviária Federal de Santa Terezinha de Itaipu. Durante a abordagem do ônibus procedente de Arapongas, foram encontrados vários vinhos importados e sem os devidos registros. O carregamento apreendido foi avaliado em R$ 112 mil. De acordo com a Receita Federal, os vinhos estrangeiros precisam estar com o rótulo em português e com o selo do Imposto sobre Produtos Industrializados.
Somente nesta semana, a Administração Federal de Ingressos Públicos da Argentina, conhecida como AFIP, apreendeu mais de 12,5 mil garrafas de vinho que tinham o Brasil como destino. A interceptação teve o apoio da Policia Federal e da Receita Federal do Brasil, como parte de uma megaoperação para fazer frente aos vinhos argentinos em polos produtores e localidades na fronteira com o Brasil.
As apreensões ocorreram nas provinciais de Misiones, Córboda e Mendoza, além da cidade de Buenos Aires. O carregamento foi avaliado em R$ 812,5 mil pela cotação do câmbio em Foz do Iguaçu. Os principais pontos de saída do vinho em direção ao Brasil, de acordo com as investigações realizadas pela AFIP, são em Porto Iguaçu, na divida com Foz do Iguaçu e em Bernardo de Irigoyen, limítrofe a Dionísio Cerqueira e Barracão.
O INV, Instituto Nacional de Viticultura da Argentina, recolheu amostras para verificação da integridade das bebidas e da adoção de mecanismos de origem dos rótulos, em conformidade com a lei.
Peso desvalorizado
As distorções nas taxas de câmbio do peso argentino levaram ao aumento da prática do descaminho, a partir de 2020. Coma desvalorização da moeda argentina frente ao real, o preço das bebidas do vizinho país estão muito mais abaixo dos valores praticados no Brasil.
Em março, a Polícia Federal deflagrou a Operação Zéfiro, culminando no cumprimento de sete mandados de busca e apreensão, sob a coordenação da delegacia de Dionísio Cerqueira. As ordens judiciais foram cumpridas em empresas (de fachada) e residências. Juntamente com os mandados, a Justiça Federal determinou o sequestro de bens e valores de alguns dos investigados.
Cascavel na rota do descaminho
Se o Brasil é o principal destino do vinho trazido da Argentina, Cascavel é a rota. Em conversa com a equipe de reportagem do Jornal O Paraná, um empresário do ramo gastronômico que prefere não se identificar, disse que na maioria das vezes, o consumidor “poder estar levando gato por lebre”.
A retomada do imposto sobre bebidas no Brasil tem levado os compradores de vinho a recorrer ao vinho argentino, observou o empresário. Entretanto, muitos compram os vinhos acreditando ser autênticos, mas segundo ele, é preciso ficar com os olhos bem abertos, pois há fortes suspeitas de que muitos vinhos são falsificados. “É preciso valorizar o vinho brasileiro, mas antes, o governo precisa reduzir a carga tributária atrelada a estes produtos”.
O empresário não consegue entender como a Argentina tem vinho o ano todo, sem oscilação nas safras. “É a mesma coisa do azeite. Como a Argentina consegue ter tanta produção, sem ao menos ter uma grande área de plantio de oliveiras?”, questiona. O mesmo é com relação ao queijo. O empresário conta que já obteve relatos de pessoas que adquiram queijo argentino cuja principal matéria-primeira era o amido de mandioca com sabor de queijo.
Retomada pós-pandemia
Já em relação ao período pós-pandemia, o consumo em bares e restaurantes teve sensível aumento. “O número de comércios com esse perfil mais aumentou do que fechou”, aponta. Novos empreendimentos, como cafés e lojas de bebidas, aumentaram de maneira substancial, de acordo com o empreendedor do ramo gastronômico de Cascavel.