Os acidentes aéreos neste ano que vitimaram o cantor Gabriel Diniz e o jornalista Ricardo Boechat – entre outras pessoas – representam os riscos e o mal que o transporte aéreo clandestino – conhecido como Taca na indústria aeronáutica – representa para a aviação civil brasileira.
É importante lembrar que os regulamentos aeronáuticos não foram criados aleatoriamente, mas a partir de estudos e da experiência, muitas vezes negativa, por meio de acidentes e fatalidades, que a comunidade aeronáutica acumulou durante todos os anos desde 1944. Portanto, os regulamentos aeronáuticos buscam estabelecer critérios mínimos a serem seguidos pelos integrantes da indústria em questão. Tampouco a regulamentação é uma exclusividade brasileira. Ela existe de maneira muito similar em todos os países signatários da convenção de Chicago e membros da Icao (Organização da Aviação Civil Internacional).
A regulamentação pode ser dividida em dois grupos: os regulamentos utilizados para a certificação do produto aeronáutico e a regulamentação que trata da operação desses produtos depois de fabricados e entregues.
Em ambos os casos a regulamentação é construída de forma a aumentar e tornar mais restritivos os requisitos com o aumento da capacidade da aeronave de transportar pessoas leigas, sem conhecimento e sem cultura aeronáutica. Assim, um avião que foi projetado e certificado para uso do próprio piloto tem requisitos mais brandos do que um avião certificado para transportar passageiros. Não é uma questão de desvalorizar a vida do tripulante, ao contrário, é um reconhecimento ao conhecimento e à capacidade técnica do tripulante, sabendo que aquele profissional tem conhecimento técnico suficiente para fazer avaliações de risco que um leigo não possui.
A lógica da regulamentação faz ainda com que os requisitos mínimos variem de acordo com a classe e a operação da aeronave. Assim sendo, uma aeronave utilizada para transporte particular possui menos requisitos legais a serem cumpridos do que a aeronave utilizada para taxi aéreo, que por sua vez possui menos requisitos legais a serem cumpridos do que as grandes aeronaves utilizadas para transporte regular de passageiros.
Ou seja, ao utilizar um avião particular para a atividade comercial de transporte de passageiros, os requisitos mínimos estão incompatíveis com a atividade executada. Isso, na prática, envolve uma série de fatores, como os requisitos de organização da manutenção, padronização das operações, treinamento dos pilotos e gestão da segurança operacional.
Por isso, não é válido o argumento de que um avião particular com boa gestão é tão seguro quanto um avião de taxi aéreo. Manter uma aeronave privada dentro da regulamentação é muito mais simples e barato do que manter a aeronave segundo as regras e regulamentos de operadores comerciais.
Quando um operador aéreo compete com outro operador aéreo, as regras e os requisitos mínimos exigidos estão definidos e devem ser cumpridos por ambos, permitindo que o usuário consiga optar pelo que melhor lhe atende em aspectos como preço, comodidade e atendimento, sem dúvidas quanto ao mínimo de segurança estabelecido.
Entretanto, quando um operador aéreo compete com um operador clandestino, a premissa de que os padrões de segurança mínimos são atendidos pelos dois não é mais verdadeira, e por isso o taxi aéreo clandestino representa competição desleal, às custas da segurança de seu passageiro.
O transporte aéreo clandestino não é difícil de ser identificado, e muitos clientes sabem que estão voando em uma aeronave privada. Enquanto a mentalidade do mercado não for alterada e todos compreenderem que, embora difícil e cara, a regulamentação aumenta efetivamente os níveis de segurança, muitos mais ainda vão pagar por essa economia com a vida.
Shailon Ian é engenheiro aeronáutico formado pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), CEO da Vinci Aeronáutica e criador do Centro de Treinamento Online em Aviação Civil Vinci Ideas