“Deus ajuda quem cedo madruga” é um ditado que, no imaginário popular, parece cair como luva no remo. Quando se fala neste esporte, acordar (e treinar) antes do sol nascer é a primeira imagem que vem à cabeça de muita gente. Mas a história é outra na Olimpíada do Rio. No sábado, por exemplo, era difícil encontrar algum remador na água da Lagoa Rodrigo de Freitas nas primeiras horas da manhã.
Até por volta de 7h30m, o movimento na água e no Estádio de Remo era fraco. Os dedos da mão – e só uma delas – eram o suficiente para contar o número de barcos em ação. Era como se todos tivessem acionado a “função soneca”, que atrasa os despertadores em telefones celulares, para ter alguns minutos a mais de sono.
A frequência só aumentou a partir de 8h30m, quando três ônibus especiais para transporte de delegações chegaram da Vila dos Atletas. E a queda do dogma de acordar cedo mostrou ter ido além de fronteiras. A torre de babel motorizada misturava remadores de delegações numerosas, como EUA, Nova Zelândia e França, e também de países com menos representantes no esporte, como Chile, Peru, Espanha, Angola e Azerbaijão. Durante os Jogos, as provas de remo só começam a partir das 8h30m.
A remadora brasileira Fernanda Nunes considera a imagem de que só é possível praticar remo de madrugada um dos preconceitos que cercam o esporte. Fernanda, que competirá no double skiff peso leve na Olimpíada do Rio ao lado de Vanessa Cozzi, reconhece que os treinos de equipes competitivas acontecem cedo, e lembra de atividades que já começaram às 4h30m da manhã. Mas não é sempre assim. Os treinos olímpicos na Lagoa, por exemplo, só são abertos oficialmente às 7h. Antes disso, ninguém entra.
– O remo pode ser praticado em vários horários. Não tem treino só às 6h da manhã. Antes da Olimpíada, por exemplo, estávamos treinando em Brasília e vimos muita gente entrar na água às 9h, 10h da manhã. Também há janela de treinos à tarde, inclusive para a Olimpíada – explica Fernanda, que chegou com o restante da delegação brasileira por volta de 7h40m.
No sábado, embora a maioria dos atletas tenha chegado às 8h30m, nem todos foram imediatamente para a água. As equipes femininas de EUA e China, por exemplo, decidiram fazer uma leve corrida de 10 minutos pela margem da Lagoa na região do Parque dos Patins, área que costuma receber muitos “atletas de fim de semana” – exceto atualmente, por estar cercada para ser usada exclusivamente pelos atletas olímpicos.
Só depois do exercício tipicamente carioca, quando o relógio passava das 9h, americanas e chinesas finalmente pegaram seus barcos. As americanas, vale lembrar, são favoritíssimas ao ouro na prova feminina de Oito Com Timoneiro. Ao que parece, sucesso não é exclusividade de quem cedo madruga.
POR QUE TÃO CEDO?
Há alguns motivos para a tradição madrugadora do remo no Brasil. Como os treinos podem durar até quase três horas, o início nas primeiras horas da manhã ameniza o impacto do sol nos atletas. Além disso, no caso do Rio de Janeiro, o vento costuma ser mais fraco no início do dia.
Outra explicação é que a maioria dos atletas de nível competitivo realiza duas sessões de treinos por dia, uma delas do meio para o fim da tarde. Assim, o treino no começo da manhã proporciona um intervalo maior até a segunda sessão. No caso de atletas que não vivem do esporte e têm outros compromissos estudantis ou profissionais, o treino no começo da manhã também se adapta melhor à agenda.