STUTTGART, Alemanha ? Com ataques incendiários a campos de refugiados e a resistência dos parceiros políticos da chanceler Angela Merkel, não é difícil encontrar pessimistas prevendo problemas para as cidades alemãs que absorvem aqueles que buscam asilo. Mas nesta cidade pacífica e pragmática, sinônimo do know-how alemão e de gigantes corporativos como Bosch, Porsche e Mercedes, é possível vislumbrar outra coisa: um futuro melhor.
Aqui, a migração há muito tempo é um motor do crescimento e a integração é a base do orgulho cívico. Os problemas que Stuttgart enfrenta são os mesmos encontrados em cidades prósperas no mundo todo, incluindo as americanas: a escassez de moradia a preço acessível e apartamentos que se adequam à demografia em evolução de seus ocupantes.
A mensagem de Stuttgart é que os migrantes são necessários e até bem-vindos. O desafio é construir uma cidade onde eles possam viver.
“Cidades em crescimento são cidades que integram”, disse Gari Pavkovic, filho de um trabalhador croata temporário que chegou aqui há décadas. Pavkovic agora gerencia a imigração para a administração da cidade.
Ele confere os números: quarenta por cento dos 600 mil habitantes de Stuttgart (ou 60 por cento das pessoas com menos de 18 anos) vêm do exterior, o dobro da média nacional. Após a Segunda Guerra Mundial, os trabalhadores estrangeiros reconstruíram a indústria local: primeiro os italianos, depois os gregos, espanhóis, iugoslavos, turcos.
E eles continuam chegando. São cerca de 20 mil anualmente, sem contar a atual onda de sírios e outros. Os imigrantes são responsáveis por uma em cada três startups.
Após a Segunda Guerra, a Mercedes e a Bosch montaram albergues para os trabalhadores, mas na década de 70, quando Manfred Rommel se tornou prefeito, líderes políticos e empresariais adotaram uma tática diferente, tentando integrar os migrantes em comunidades já existentes no centro da cidade. Stuttgart abraçou o urbanismo multicultural.
Wilfried Porth, membro do conselho da Daimler e diretor de relações de trabalho da empresa, lembra-se da Stuttgart de anos atrás como um lugar despretensioso.
“Aí os italianos, espanhóis e turcos trouxeram a vida dos cafés para as ruas. Fisicamente ela se tornou uma cidade muito mais amigável, mais aberta.”
De acordo com Porth, a Daimler agora banca o ensino da língua, estágios e acesso a clubes esportivos, fundamentais para o tecido social na Alemanha, ajudando assim a ampliar o esforço para acelerar o processo de integração. A esperança é evitar o erro cometido pela Alemanha Ocidental e outras cidades europeias, que permitiram um tipo de cultura paralela alienadora dos trabalhadores temporários que ocupavam bolsões isolados.
“Precisamos integrar os refugiados aos bairros rapidamente e lhes proporcionar as habilidades e a capacidade de pagar por uma residência aqui”, enfatizou Porth.
Porém, a Daimler não está no ramo imobiliário e Stuttgart, assim como Berlim, Nova York, Londres e Paris, enfrenta um déficit habitacional.
Os líderes da cidade querem combater a expansão, mas os altos custos da construção, os regulamentos ambientais em toda a Europa que desencorajam os edifícios de muitos andares, um cinturão verde inviolável m torno do centro da cidade e poucos terrenos públicos complicam a construção de novos apartamentos.
Talvez o maior obstáculo em longo prazo, porém, é que Stuttgart precisa de novas ideias sobre a forma e o tipo de seus apartamentos.
Uma quantidade desproporcional de novas moradias em todo o país foi construída para núcleos familiares, mas de acordo com o Instituto Federal de Demografia da Alemanha, mais da metade da população urbana alemã vive sozinha. Em “Living Complex”, Niklas Maak, escritor e crítico de arquitetura do jornal Frankfurter Allgemeine, mostra que o número de famílias hoje está entre 14 e 20 por cento do total de residências nas grandes cidades como Berlim e Munique ? “quase um grupo marginal”, comenta ele, e mesmo assim, esse desenvolvimento social não se reflete nas políticas habitacionais.
“Os tipos de residências oferecidos numa cidade têm cada vez menos relação com o estilo de vida existente”, conclui Maak. O influxo de migrantes muçulmanos que precisam de casas para famílias grandes desequilibra ainda mais a balança.
Alguns projetos habitacionais em Berlim feitos por jovens arquitetos repensam a economia e as configurações de prédios de apartamento. Alguns deles ? como Ifau e Jesko Fezer, Heide & Von Beckerath ? concluíram recentemente um bloco de seis andares chamado R50, com fachada de madeira e varandas, um empreendimento de baixo custo com destaque para espaços compartilhados e unidades flexíveis. No momento, os refugiados sírios ocupam alguns deles.
O outro projeto, chamado Spreefeld, é o trabalho de um grupo de empresas ? Carpaneto, Fatkoehl e BAR ? que mistura vida comunal com escritórios comerciais ou sem fins lucrativos, espaço verde público e salas comunitárias no piso térreo. Os refugiados também se instalaram ali.
O objetivo do desenvolvedor, Christian Schoening, é um modelo de habitação acessível, adaptável, colaborativo, construído com consultas pelo bairro. Custa menos por metro quadrado para construir do que aquele que as autoridades de Berlim consideram o conjunto habitacional novo mais barato da cidade.
E, tão importante quanto isso, a habitação comunal flexível é um modelo potencial para a população crescente de imigrantes muçulmanos com famílias extensas que não cabem no modelo nuclear.
“Temos que começar a pensar nos próximos 10 ou 20 anos. Não dá para focar apenas na crise imediata porque a população está mudando a maneira em que vivemos e isso é uma questão de longo prazo”, disse Schoening.
Em Stuttgart, a vice-prefeita Isabel Fezer ecoou esse pensamento: “Os desafios urbanos e sociais andam de mãos dadas. Nesta cidade, temos prática de integrar as pessoas e, como resultado, tivemos poucos problemas com relação aos migrantes; mas se não conseguirmos instalar todo mundo, teremos problemas sociais. A moradia é o primeiro”.
“Os migrantes representam um desafio e uma oportunidade. Neste momento, são os dois. Mas, eles estão aqui para ficar, então temos que garantir que isso seja a oportunidade, pois é também o nosso futuro.”