Em 12 de junho de 1998, o então consultor jurídico da Casa Civil do governo Fernando Henrique, Gilmar Mendes, informou à imprensa que o presidente da República decidira processar Luiz Inácio Lula da Silva. O motivo: uma declaração do petista dizendo que o governo FH estaria interessado na privatização da Telebrás para, na verdade, fazer caixa 2. À época, a acepção para caixa 2 determinava fato grave e havia pudor ? a ponto de fazer o presidente movimentar o Ministério da Justiça e a Procuradoria-Geral da União por meio de seu assessor jurídico.
Presidente nacional do PT em 1998, José Dirceu criticara a decisão de FH dizendo que a ação era uma forma de desviar a atenção do “escândalo da privatização da Telebrás”. Mais de 14 anos e muitos escândalos depois, em outubro de 2012, o mesmo José Dirceu era condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com voto favorável de Gilmar, agora ministro do STF, por corrupção ativa no mensalão.
A hoje presidente do STF, Cármen Lúcia, usou à época frases que tornaram seu voto histórico. Ao condenar o réu, lembrou das defesas dos réus, que confessaram caixa 2 na tentativa de suavizar a corrupção. “Caixa dois é crime, é uma agressão à sociedade brasileira. Dizer isso na tribuna do Supremo, ou perante qualquer juiz, me parece grave, porque fica parecendo que o ilícito no Brasil pode ser praticado, confessado e tudo bem. E não é tudo bem”, disse Cármen.
Quase 19 depois daquele processo de FH contra Lula, a semântica do caixa 2 mudou um bocado. Em meio a uma anistia talvez ampla, geral e irrestrita ganhando corpo no Congresso, as palavras de sexta-feira de Gilmar Mendes mostram uma tentativa de ler caixa 2 de forma mais light. Pode ser apenas algo “defeituoso do ponto de vista jurídico”, mas sem “nada de corrupção”. Parlamentares enrolados devem ter comemorado a declaração como um gol.