Milton Mendes possui uma história toda peculiar quando comparado a outros técnicos que atuam no Brasil. Usa terno e gravata à beira do gramado por acreditar ser o mais adequado. Veste o traje fino também quando chega a um novo clube, como foi o caso ontem, em sua apresentação no Vasco. Não que São Januário seja algo desconhecido para ele. Como jogador, defendeu o clube na base e profissionalmente. De lá, partiu para Portugal e fixou residência na Ilha da Madeira. Foi da terra de Cristiano Ronaldo, onde mora há dez anos, que ele veio para encarar o maior desafio de sua carreira e tentar quebrar o estigma de que possui dificuldade para se relacionar com os jogadores que comanda.
Aos 51 anos, Mendes é tido com um estudioso do futebol. Atualmente, é o único técnico brasileiro com o último nível do certificado de treinador da Uefa, o que lhe permite treinar qualquer equipe no mundo. Depois que deixou o Santa Cruz, seu último clube, no ano passado, foi para o Chile conhecer um pouco do trabalho feito na seleção do país, bicampeã da Copa América. Tem como amigo e inspiração o técnico Leonardo Jardim, português que comanda o Monaco, líder do Campeonato Francês e responsável por eliminar o Manchester City de Pep Guardiola na Liga dos Campeões.
No início do trabalho no Arruda, ele deixou a impressão de que é capaz de colocar seus conhecimentos teóricos em prática. Mendes pegou o Santa Cruz no meio do Campeonato Pernambucano e da Copa do Nordeste e, sem nenhuma contratação, levou a equipe aos dois títulos.
? O Vasco precisa de mais agressividade, no bom sentido, pressionar a defesa, diminuir as linhas. Isso são coisas que eu gosto de trabalhar. Não é impor, mas mostrar ao time que isso é o melhor ? explica.
Seu calcanhar de Aquiles talvez esteja justamente no desgaste que vem a reboque enquanto tenta mostrar aos jogadores o que precisa ser feito. Ano passado, quando o Santa Cruz caiu de produção, não faltaram notícias a respeito do relacionamento cada vez pior entre Mendes e o elenco. O técnico era acusado internamente de ser muito rigoroso com os jogadores, o que teria desgastado a relação. Depois que o grupo escapou de suas mãos, a demissão durante a Série A foi apenas questão de tempo.
? Eu me considero um treinador próximo dos jogadores, porém, sei exatamente o que é feito. Os jogadores podem brincar no trabalho, mas não brincar com o trabalho. Não acredito que exista essa situação de desgaste, mas sim, que eles não façam o que combinamos. Eu não sou treinador de olhar alguma coisa errada e fechar os olhos ? afirma.
Ontem, ele já comandou o treino em São Januário e teve o primeiro contato com seus jogadores. Encontrou no Vasco um grupo cheio de nuances, em que mais novos e mais experientes vivem relação de altos e baixos ? no fim do ano passado, o comportamento de alguns jogadores chegou a ser criticado por Jorginho, por exemplo. Para esses e todos os outros, o recado de Mendes foi transparente como água:
? Sou um treinador que gosto da disciplina. Tenho alguns pontos que orientam minha vida profissional e familiar. O comprometimento para mim é o mais importante. Os jogadores que entenderem que comprometimento é trabalho vão render mais. Temos que trabalhar correndo e muito mais que o adversário.
Outra característica interessante do treinador ficou evidente ontem. Ele não foge do convívio com a imprensa, pelo contrário. A cada pergunta, anotou em um caderno o nome de quem receberia a resposta. Nos tempos de Recife, chegou a trocar telefone com os repórteres. Se não concordasse com alguma matéria, era o primeiro a reclamar a respeito.
? Queria dizer que se vocês (imprensa) forem corretos e sérios comigo, também receberão isso ? prometeu.