Cotidiano

Chefs renomados reforçam casas de show cariocas

2016 913226802-201606010736298320.jpg_20160601.jpgRIO – Depois de passar pela cozinha de restaurantes estrelados, como o mítico El Celler de Can Roca, na Espanha, o chef Thiago Flores dá expediente no Circo Voador, na Lapa. Mais especificamente no Levante, portinha inaugurada há um mês na área aberta da casa, ao lado do bar dos destilados. Do balcão preto, realçado por luminárias pendentes amarelas, saem sanduíches vegetarianos e carnívoros, com direito a maionese de missô.

? Estamos em fase de testes do blend do hambúrguer, que está variando entre músculo, peito e fraldinha. Mas todos são sempre feitos com 150 gramas de carne. É o tamanho ideal para quem quer assistir ao show numa boa e namorar depois. Ou para quem tomou umas a mais e precisa se recuperar no fim da noite. Resumindo, dá um levante, mas não entope ? explica.

O Circo Voador não é a única casa de shows da cidade que está de cozinha nova. Há dois meses, as chefs Bianca e Kátia Barbosa, do restaurante Aconchego Carioca, assumiram o cardápio do Teatro Rival. Enquanto isso, a Fundição Progresso estuda a mudança do menu do bar e o Imperator planeja a inauguração de um bistrô mês que vem. Um caminhão da Patifaria Food Truck, que une humor e gastronomia de rua, vai estacionar na casa de shows do Méier com um menu de hambúrgueres (são 11 no total), doces portugueses e cervejas artesanais.

É um novo capítulo da comida de show, que nos anos 1980 e 1990 era famosa por croquetes, quibes, coxinhas e bolinhas de queijo do Canecão, lembra Pedro de Lamare, presidente do Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio (SindRio):

? Os cariocas, de modo geral, estão comendo cada vez melhor e querem ter mais opções em qualquer lugar, inclusive nas casas de entretenimento. Aliado a isso, o culto ao hambúrguer artesanal ajudou a mudar esse cenário.

O hambúrguer, de fato, é o carro-chefe do Levante. Por enquanto, são dois: um clássico e outro no pão australiano com cheddar. E há ainda um sanduíche vegetariano, feito na baguete multigrãos com abobrinha grelhada, tomate seco e pesto de manjericão com castanha de caju.

? Nesses primeiros fins de semanas, tem saído uma média de 200 sanduíches, o que corresponde a 10% do público da casa com lotação esgotada ? diz Thiago. ? O público está começando a nos conhecer. Ainda tem muita gente desconfiada, que pergunta se somos apenas um caixa ou uma chapelaria.

Por sua vez, a turma da gastronomia já transformou o Levante em uma espécie de point dentro do Circo. Sexta-feira passada, noite do espetáculo de Ney Matogrosso, os chefs Elia Schramm, do Laguiole, Nanda de Lamare, do Gula Gula, e Manu Zappa, do Prosa na Cozinha, esbaldaram-se com os sanduíches de lá.

? Nem sou muito fã de hambúrguer, mas comi dois. As batatinhas rústicas com maionese de missô são divinas ? conta Manu. ? Sempre gostei do Circo por causa dos shows, mas agora ficou um luxo por ter comidinhas que são ao mesmo tempo simples e incríveis.

O relacionamento de Flores com a casa de shows ficou sério em 2011. De volta ao Rio após uma temporada cozinhando mundo afora, ele começou a namorar uma antiga amiga da escola, a designer e produtora Gaby Morenah, filha de Maria Juçá, diretora do Circo. Passou a dar consultoria à casa, que mantinha apenas uma espécie de cantina escolar, com pizza de padaria, hambúrguer industrializado e misto-quente carregado na manteiga. Na sequência, ele engatou trabalhos no Q Gastrobar, no Leblon, e no Paris, restaurante da Casa de Arte e Cultura Julieta de Serpa, na Praia do Flamengo. No início deste ano, com o nascimento de Leon, seu primeiro filho com Gaby, ele passou a se dedicar exclusivamente ao Circo.

? A ideia é criar uma plataforma gastronômica, com eventos internos e externos. Um deles será o Circo Secreto, em que vamos unir comida, coquetelaria, música e vídeo ? planeja o chef, que costuma dar uma escapadinha para assistir aos shows sob o picadeiro.

2016 913224900-201606010723198309.jpg_20160601.jpgBianca e Kátia Barbosa, as novas comandantes da cozinha do Teatro Rival, também costumam acompanhar de perto a programação cultural da tradicional casa de espetáculos, que abriu as portas na Cinelândia em 1934.

? Estou amando assistir aos shows da cozinha, que é fechada apenas por uma cortina de veludo vermelho, como a do palco do principal. O último foi o da Tiê, que adoro. Fora isso, temos uma mesa cativa em frente à cozinha, onde recebemos nossos amigos ? conta Bianca, que se reveza com a mãe entre o Aconchego Carioca da Praça da Bandeira e as filiais do Leblon e de São Paulo.

Mãe e filha criaram quitutes e adaptaram clássicos do Aconchego para o menu do Rival a convite do produtor cultural Alê Yousseff. Ele e a mulher, a atriz Leandra Leal, estão à frente da grade artística da casa, que passou por obras e reabriu em meados de abril. O teatro, agora, abre para almoço e para happy hours, de segunda à sexta-feira. Domingo passado, foi a estreia da feijoada.

? Leandra e Alê eram frequentadores assíduos do Aconchego e nos foram apresentados por um amigo em comum. Eles estavam em busca de uma comida que representasse a essência carioca que o Rival sempre teve ? conta Bianca.

Os shows ganharam um menu exclusivo. Clássico do Aconchego, o bolinho de feijoada divide espaço com a almofadinha de tapioca e o pastelzinho de pupunha fresca. Além dos salgados, há porções de carne-seca com aipim e uma variedade de caldos e sopas.

? O ar-condicionado da casa é sempre forte e, nesse ambiente, uma comida quentinha sempre deixa o show mais agradável. Apostamos nos caldos de feijão, de baroa e de abóbora, com cores fortes que podem ser notadas até no escurinho do show ? diz Bianca.

2016 914391297-201606061248583102.jpg_20160606.jpgO caldo de sururu e a sopa de ervilha, carregados na pimenta, são os carros-chefes do café da Casa de Choro, no Centro, comandado pela cozinheira e cantora Glória Bonfim. O estabelecimento já funciona há um ano, mas só agora passou a ter uma ala gastronômica. O tempero da baiana, no entanto, já é velho conhecido dos sambistas cariocas.

? Cozinhar e cantar são duas grandes paixões da minha vida.

Nascida em Areal, no Recôncavo baiano, Glória chegou ao Rio aos 15 anos. De cara, encantou-se pela escola de samba Portela, onde começou a cantar. Quituteira de mão cheia, começou a trabalhar como cozinheira na casa da cavaquinista Luciana Rabello e do compositor Paulo César Pinheiro. Depois de quase 30 anos, Luciana a convidou para assumir a cozinha da Casa do Choro, da qual é presidente.

? Estava na hora de voar mais alto. Agora só faço almoços e jantares para o casal em dias especiais. Pode ser um bobó, uma feijoada, uma rabada? ? enumera ela.

Na Casa do Choro, além dos caldos, a cantora prepara empadão de palmito, quibe de forno recheado e casquinha de siri.

? Comida de samba tem que ser leve e gostosa, feita com carinho e com amor. Faço como se estivesse na minha casa ? diz.

Nos próximos dias 24 e 25, Glória vai deixar a cozinha da casa para se apresentar pela primeira vez no palco principal. No repertório, 14 músicas inéditas de Paulo César Pinheiro que integram o seu CD, ?Santo e Orixá?.

? Sem querer, renovou-se a tradição das tias baianas, que sempre cantaram e cozinharam muito bem ? diz Luciana Rabello.