WASHINGTON ? Diante da pressão popular e partidária pela divulgação de um vídeo com declarações sexistas, restou a Donald Trump um aliado improvável: o WikiLeaks, organização um dia execrada pelos republicanos por expor documentos confidenciais do Estado americano. Se o empresário sofre para reverter o estrago do vazamento de seus impropérios, ele apostou, nesta quarta-feira, em informações hackeadas da campanha democrata que mostram e-mails de assessores com provocações a hispânicos e católicos ? dois segmentos americanos em que Hillary Clinton aposta para vencer nas urnas em novembro.
?O que fazemos com estes indigentes??, escreveu um dos assessores democratas, em referência aos latinos, em e-mails que, até o momento, não foram desmentidos pela campanha. Entre as mensagens, há também gozações sobre católicos, a quem ?valeria a pena cortejar por terem, em geral, bom poder aquisitivo?. Um material que os republicanos agora situam, embora não envolva Hillary diretamente, como a principal arma de confronto aos ataques que recebem.
Nas mãos do grupo liderado por Julian Assange, o milionário enxerga uma última estratégia de danos à adversária Hillary Clinton: a veiculação de e-mails obtidos ilegalmente pelos hackers que mostrariam vantagens indevidas da rival na administração de Barack Obama e outros constrangimentos que poderiam inflar a já alta taxa de rejeição da ex-secretária de Estado.
Na reta final do pleito à Casa Branca, Trump, assessores e apoiadores reúnem material que contraponha as críticas e aos questionamentos ao republicano sobre os comentários machistas e as acusações de abuso sexual. São mais de 6 mil mensagens de contas pessoais, como do chefe de campanha democrata, John Podesta, que fundamentam o ataque do empresário à Hillary, que receberia informações internas da gestão de Obama. Uma das vantagens à candidata seria o conhecimento prévio de quando seriam divulgados os e-mails de quando atuava no Departamento de Estado ? uma polêmica que custou à democrata algumas horas de interrogatório no Senado por tratar de assuntos de interesse nacional por fora da rede segura do governo.
Aliados republicanos contam que Trump confia no rendimento de ?uma massa de informação negativa e destrutiva? da rival retirada dos vazamentos do WikiLeaks, que seria transferida à grande mídia e reforçada em aparições televisivas do milionário. A estratégia não é consenso no próprio partido, com o qual o nomeado trava uma batalha interna contra o establishment desde as prévias.
ORIGEM RUSSA
Isso porque a confiança nos documentos vazados poderia evidenciar, como rebate a campanha democrata, que o republicano estaria ?no bolso? de Vladimir Putin. O magnata conserva uma relação de amizade com o presidente russo, sem tê-lo condenado pela anexação da Crimeia ou pelo abandono do acordo nuclear com os Estados Unidos, na semana passada. Um relacionamento que voltou ao debate nacional principalmente depois que a inteligência americana firmou, na última sexta-feira, que os documentos obtidos pelo WikiLeaks vêm, em sua maioria, de agências de inteligência russa, sob a autorização de funcionários do alto escalão nacional. Putin nega: argumenta que é tentativa dos democratas de desviar a atenção da essência do material vazado.
Podesta, inclusive, inferiu que os republicanos saberiam da posse dos e-mails por Assange e companhia antes mesmo dos vazamentos. Agentes do Estado americano ainda não conseguem confirmar o conluio, mas ressaltam que a invasão dos e-mais da campanha democrata se encaixa nos padrões de acesso ilegal patrocinados pela Rússia.
No ambiente privado, segundo o ?New York Times?, os democratas se preocupam com a dimensão das brechas na captação de documentos. Ainda segundo o jornal americano, responsáveis por pesquisas eleitores minimizam o efeito da massificação dessas informações no crescimento do eleitorado de Trump. Funcionaria, no entanto, para o público ?já convertido? na direção do empresário. Dave Graves, de 47 anos, ressaltou ao diário que enxerga benefícios ao republicano porque ?reafirma? o que Trump sustenta desde o início da campanha.
? Eu acho que se ele fizer disso um grande problema, se ele pressionar, pode ajudar ? confia também o eleitor da Flória, Diego Rielo, de 24 anos, ao ?New York Times?.
O uso do WikiLeaks pela campanha republicana finda anos de críticas bipartidárias à organização. Os republicanos maldisseram, no mesmo tom, o vazamento de documentos pelo ex-agente Edward Snowden e creditaram a publicação de segredos Estatais ao ?descuido da administração de Obama?. A estratégia é vista com ressalvas por parte dos aliados de Trump, já que o empresário questionou a revelação de suas declarações de imposto e o próprio vídeo em que vulgariza mulheres. A gerente da campanha republicana, Kellyanne Conway, insistiu na ?relevância? do material do WikiLeaks:
? Sem essa informação, um número de revelações permaneceria segredo ? disse, em entrevista, sem comentar a ética de material roubado, por vezes, sem fundamento. ? Eles [os democratas] dizem coisas que não são verificadas toda hora. Este é o Oeste selvagem da informação instantânea que as pessoas nem confiam nem verificam, apenas repetem.