
Brasil - A decisão do Supremo Tribunal Federal de suspender, em todo o país, os processos judiciais envolvendo pedidos de indenização por atrasos, alterações ou cancelamentos de voos motivados por caso fortuito ou força maior — como mau tempo — acendeu um alerta sobre o impacto direto ao consumidor. A medida, assinada pelo ministro Dias Toffoli, permanecerá válida até o julgamento definitivo do Tema 1.417 da repercussão geral, que definirá se prevalece o CBA (Código Brasileiro de Aeronáutica) ou o CDC (Código de Defesa do Consumidor).
Na prática, a suspensão amplia a incerteza para passageiros que já aguardam reparação por prejuízos e pode resultar em mais custos ao próprio consumidor, caso o STF decida por regras menos protetivas que as previstas no CDC. A decisão atendeu a um pedido da Azul Linhas Aéreas e da Confederação Nacional do Transporte, que apontavam insegurança jurídica e excesso de judicialização.
Passageiro vulnerável
Toffoli citou números que mostram o tamanho do conflito. O Brasil tem uma ação judicial para cada 227 passageiros transportados — um volume muito superior ao de países como os Estados Unidos, onde a proporção é de uma ação para cada 1,2 milhão de passageiros. O ministro mencionou ainda sinais de litigância predatória, com 10% das mais de 400 mil ações concentradas em apenas 20 escritórios.
Segundo especialistas, a suspensão, embora busque frear distorções, deixa consumidores temporariamente sem possibilidade de reparação mesmo nos casos em que comprovadamente arcaram com hospedagem, alimentação, remarcações e perda de compromissos. A paralisação abrange pedidos de danos materiais, morais e à imagem, e não há previsão de quando o STF concluirá o julgamento.
Peso no bolso do consumidor
A Anac apoiou integralmente a decisão e reforçou que o CBA deveria prevalecer sobre o CDC por seguir padrões internacionais. Mas a própria agência reconhece que o atual cenário de litigância tem efeito direto no bolso do passageiro: as companhias aéreas repassam despesas judiciais ao preço final das passagens.
“Todos pagam a conta. Uma companhia low cost argentina relatou gastar mais com contencioso jurídico no Brasil do que lucra em nossas operações”, disse o diretor-presidente Tiago Faierstein.
Caso a interpretação final reduza a responsabilidade das empresas em situações de força maior, especialistas alertam que o consumidor pode enfrentar um duplo impacto: menos proteção legal e tarifas potencialmente mais altas.
Impacto concorrencial e risco de menor oferta
Para a Anac, o excesso de processos também desestimula novas empresas a operar no país, reduz competitividade e pode diminuir a oferta de voos — cenário que, novamente, tende a recair sobre o consumidor, seja por preços maiores, seja por menos opções de viagem.
Especialistas do setor consideram positiva a suspensão das condenações por motivos climáticos — fenômenos que fogem ao controle das empresas. Porém, reconhecem que, até a conclusão do julgamento, prevalece um vácuo que deixa o consumidor mais exposto e com menos poder de reivindicação.
Garantia do FGE promete aliviar custo das aéreas e impulsionar o mercado
O Camex (Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior) aprovou, no final de novembro o uso do FGE (Fundo de Garantia à Exportação) como garantia para operações de financiamento destinadas à compra de querosene de aviação (QAv) por companhias aéreas brasileiras. Cada empresa poderá utilizar até R$ 2 bilhões por ano em garantias, o que tende a reduzir as taxas de juros do crédito e, consequentemente, o custo de um insumo que responde por cerca de 40% do valor das passagens aéreas.
De acordo com o governo federal, todas as empresas que operam voos regulares domésticos poderão solicitar a garantia, com limite anual de R$ 2 bilhões para companhias com participação superior a 1% no mercado interno e de até R$ 333 milhões para empresas com participação menor.
O mecanismo foi construído de forma interministerial, no âmbito da Camex, com participação da SAC (Secretaria Nacional de Aviação Civil) do Ministério de Portos e Aeroportos, para, ao mesmo tempo, aliviar custos e fortalecer a competitividade da aviação brasileira.
O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, afirma que a iniciativa faz parte de um pacote para reduzir despesas operacionais das empresas e trazer alívio ao bolso do passageiro. Segundo o ministro, ao utilizar o FGE como cobertura na compra de QAv, as companhias terão mais facilidade para negociar condições melhores de financiamento, o que deve impactar positivamente o preço das passagens, em complemento à linha de crédito com recursos do FNAC (Fundo Nacional de Aviação Civil) para compra e manutenção de aeronaves com juros reduzidos.
“Estamos construindo um conjunto de medidas para reduzir o custo operacional das aéreas e o valor da tarifa para o consumidor”, explica Costa Filho. “Tendo o FGE como cobertura na compra de QAv, as aéreas terão mais facilidade para negociar condições melhores de financiamento e isso impacta positivamente no preço da passagem”.
Em contrapartida ao uso da garantia pública, as empresas terão de adotar medidas específicas de descarbonização, comprovadas por auditoria externa independente. Entre as exigências estão a compra de combustível sustentável de aviação (SAF) produzido no Brasil, investimentos em plantas industriais de SAF ou aportes no Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico (FNDIT) em projetos relacionados ao desenvolvimento desse tipo de combustível.
A Diretora de Planejamento e Fomento da SAC, Júlia Lopes, enfatiza que atrelar a garantia do FGE à expansão do SAF é estratégico para consolidar um mercado nacional desse combustível e reduzir as emissões no transporte aéreo. Para ela, a política de crédito condicionada à descarbonização ajuda a transformar a demanda das companhias em contratos e investimentos de longo prazo, alinhando a aviação brasileira às metas climáticas e ao planejamento de infraestrutura aeroportuária mais sustentável.
Com a nova modalidade de cobertura, o governo busca, ao mesmo tempo, apoiar a saúde financeira das aéreas, estimular a produção e o uso de SAF no país e abrir espaço para que, no médio prazo, a redução do custo do combustível se reflita em tarifas mais acessíveis para os passageiros. A iniciativa também integra a estratégia econômica de fortalecimento da indústria nacional ligada à energia limpa, ampliando investimentos em tecnologia e inovação no setor de aviação civil.