Desde a pandemia da Covid-19 que mexeu com o setor de saúde em todo o mundo alertando para a potencialidade dos vírus e a importância de manter a saúde em dia, muitas doenças têm reaparecido e causando preocupação tanto dos órgãos de saúde quanto da própria população. A onda do grupo de anti-vacina acabou gerando problemas para o ressurgimento de doenças, mas, além disso, uma delas tão importante e que tem dados alarmantes continua latente.
Neste domingo, 1º de dezembro, é o “Dia Internacional da Luta contra a Aids”, uma doença que acabou sendo deixada de lado e que não é mais motivo de preocupação por um grupo bastante considerável da sociedade. A transmissão que ocorre, principalmente por meio de relações sexuais, acaba não sendo tão levada a sério e o deixar o preservativo (“camisinha”) de lado se tornou algo comum para muitas pessoas, grupos, independente do estado civil ou da opção sexual.
Nossa realidade
Em Cascavel, de acordo com a coordenadora do Cedip (Centro Especializado de Doenças Infecto-Parasitárias), Josana Dranka Horvath, são 1.405 casos oficialmente notificados desde o ano de 2015, sendo que deste total 64,9% são do sexo masculino e 35,9% do feminino. A faixa etária que tem concentrado maior número de diagnóstico é de 20 a 34 anos, com um percentual de 61%.
Mas ao contrário do que muitos pensam de que a doença só acomete os jovens, a faixa etária acima de 50 anos que vai até os 80 contabilizam 19% dos casos; esta é a faixa etária que concentra o maior número de registros de pessoas que buscam o diagnóstico, muitas vezes pela demora de fazer o exame, refletindo em um diagnóstico tardio.
A vida continua
Um desses casos é de uma senhora de 74 anos, moradora de Cascavel, que vamos tratar como “Maria” que conversou com o Hoje Express e relatou um pouco da sua história. Ela descobriu que é portadora do vírus HIV, em 2005 quando o seu marido adoeceu e foi internado. “Ele ficou internado e logo em seguida morreu, só então soubemos que era em decorrência do HIV. Depois disso eu fiz o teste e descobri que também tinha; foi um grande choque para mim que na época não imagina nunca ter essa doença”, disse.
Para Maria, no começo enfrentar a situação foi bastante difícil, mas com o passar do tempo conhecendo várias pessoas que convivem com a doença ela foi se adaptando. “Eu vivo bem, mas sempre, sempre tomando de forma correta a medicação. A maioria das pessoas fica doente porque não usa a medicação correta, mas usando a medicação certinha, a gente vive uma vida saudável, e até ajudo quem descobre, porque a vida continua”, disse ela.
Fui padre por 16 anos e passei mal celebrando uma missa
A história do “José”, de 53 anos, chama atenção. Ele descobriu que estava com o vírus HIV em 2001 quando desmaiou no altar de uma igreja católica ao celebrar a missa. José foi levado ao hospital e estava com outra doença, demorando mais de um ano para o diagnóstico e início do tratamento que no começo não foi aceito pelo corpo até que foi genotipado (identificação das variantes genéticas) e receber um coquetel específico para o seu caso.
Atualmente está indetectável há mais de 20 anos, que é quando no exame de sangue não aparece mais o vírus. Contudo, sua imunidade ainda é sua principal preocupação. Hoje, José tem uma vida regrada de descanso, alimentação correta e sem álcool e drogas. “Em muitas relações os parceiros exigem não usar camisinha, por uma série de motivos. O problema é que muitos não se cuidam e acabam se infectando até com outras doenças como o sífilis”, relatou.
O ex-padre disse que vive uma vida tranquila, mas com muitos cuidados e uma perda de memória bastante grande. Depois de deixar o celibato porque foi expulso da igreja, já foi cozinheiro, confeiteiro e trabalhou com artes, recomeçando a sua vida. “Sou bissexual, mas tenho mais relação com homens”, disse, contando que “90% deles [bissexuais] são homens casados com filhos, com mulher e a maioria deles não se cuidam, infelizmente”. E alertou: “As pessoas acham que só o vizinho pode ter, mas pode acontecer com qualquer um”, alertou.
Existe prevenção, tratamento e tabu!
Josana Horvath disse que não se observa queda de números de casos em nenhum momento desde o início dos diagnósticos e que o aumento de casos ocorre de acordo com a quantidade de testes realizados. E, mesmo com toda informação disponível, o “tabu” ainda é um grande problema para o diagnóstico e tratamento: as pessoas não fazem o teste.
Tanto no Cedip como em todas as unidades de saúde pode ser feito o teste de sangue que fica pronto em até três dias, já o teste rápido que sai em 30 minutos e, além disso, ainda existe o autoteste que a pessoa pode levar e fazer em casa. Detalhe: todos são gratuitos.
A coordenadora do Cedip explicou que o HIV, ou “Vírus da Imunodeficiência Humana”, ataca o sistema imunológico, deixando o organismo sem defesa contra outras infecções e, quando a pessoa é infectada já aparece no exame em 30 dias. A Aids, ou “Síndrome da Imunodeficiência Adquirida” pode demorar de 5 a 10 anos para se manifestar, portanto, quanto antes a pessoa souber, antes inicia o tratamento.
“O problema é que muitas pessoas acham que não estão correndo risco e não se protegem e, além disso, não buscam saber se têm os não o vírus, se tornando uma rede perigosa de transmissão. O ideal é que se faça o exame uma vez por ano”, disse.
Tratamento
Sobre o tratamento, ela explicou que existem medicações para prevenir que podem ser tomadas em menos de 72 horas da relação. Há também comprimidos que são ingeridos diariamente e, após se ter o vírus, existe uma série de outros tratamentos, até para não infectar outras pessoas e viver uma vida com qualidade. O Cedip contra com uma equipe especializada com enfermeiros e médicos que dão todo apoio necessário aos pacientes.
Em 2023, Cascavel recebeu a certificação de boas práticas já que não teve nenhum caso de transmissão vertical, ou seja, de mãe para filho, devido ao trabalho de testagem das gestantes, evitando a infecção parta o bebê. “Muitas inclusive descobrem que tem o vírus quando estão grávidas e fazem os exames de pré-natal, por isso, indicamos que as pessoas se protejam e façam o teste, pois apesar de não ter cura, o HIV tem tratamento”, reforçou, relatando que neste ano de 2024, Cascavel registrou um caso de transmissão vertical, o primeiro desde 2019.
Campanha digital alerta jovens
A SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) lançou nesta semana a campanha digital “HIV/Aids – Lembrar para jamais esquecer”, que consiste na divulgação de informações sobre a transmissão do vírus e o desenvolvimento da doença, recuperando a história da Aids no mundo. A população que tem entre 13 e 29 anos é o principal público-alvo da ação.
Postagens, vídeos e uma minissérie documental destacam, entre outros dados, que em 2022, quase um quarto (23,4%) dos diagnósticos foram de jovens com idade entre 15 e 24 anos. O primeiro dos quatro episódios da minissérie irá ao ar no canal da entidade no YouTube, no dia 1º de dezembro, Dia Mundial de Combate à Aids. Produção traz balanço das quatro décadas do HIV no país e relatos de histórias e experiências de quem viveu e conviveu com o vírus, em épocas e realidades diferentes, mostrando as mudanças e transformações da jornada de quem lida com isso diariamente.
De acordo com o Boletim Epidemiológico HIV/Aids divulgado em dezembro de 2023, pelo Ministério da Saúde, 489.594 infecções foram notificadas entre 2007 e 2023. A maioria dos casos, 345.069 (70,5%), em homens, ante 144.364 (29,5%) em mulheres. De 1980 a junho de 2023, foram registrados 1.124.063 casos de Aids no Brasil, em média, 35,9 mil novos casos nos últimos cinco anos.