Cotidiano

O coração de Santos Dumont sobre a mesa

PARATY – Foi com o coração de Santos Dumont sobre a mesa que teve início o debate que homenageou o inventor brasileiro, com a participação do escritor holandês Artur Japin e o artista plástico brasileiro Guto Lacaz. A imagem da maneira pela qual o médico legista retirou o órgão do corpo de Santos Dumont para analisar sua morte (depois que o inventor se matou num hotel no Guarujá, desgostoso com o uso de sua invenção para bombardeios durante a Revolução de 1932) é a cena de abertura do livro “O homem com asas” (Editora Planeta), romance histórico e policial inspirado na biografia do inventor, lido por Japin na Flip.

– O coração dele não descansa nem depois da sua morte – lembrou Japin, explicando por que a cena, de beleza tão particular, e pouco abordada na sua biografia, foi a que escolheu para abrir o livro. – É um coração que até hoje está exposto em seu museu, e que qualquer um de vocês pode visitar, a menos de duas horas do Rio. Um coração que foi pouco amado, num corpo que foi pouco abraçado. De um homen deslocado, tímido, sensível, obstinado pela ideia de voar, até conseguir. É a história de um grande brasileiro, pelo qual eu me apaixonei, que eu quis contar.

Muito espirituoso, e arrancando gargalhadas das plateias com sua piadas quase poeticas, o artista plástico Guto Lacaz fez uma apresentacao performática da história de Santos Dumont, personagem sobre cuja história se debruçou para projetar o catálogo de uma exposição sobre sua história. Não foi uma apresentação regular: Guto fez voar uma bolinha de isopor sobre um jato de ar de um secador de cabelo para mostrar o princípio do voo do balão, dos primeiros experimentos de Dumont; soprou cordinhas, para mostrar o princípio da sustentação de um avião. Exibiu protótipos de aves, túneis de vento e só faltou voar com uma réplica de um 14-Bis ao explicar para a plateia o princípio dos projetos do inventor brasileiro, enquanto resumia sua vida.

O mediador, o escritor Alexandre Vidal Porto, aproximou a crianca inventora de Santos Dumont à crianca inventora de Guto Lacaz.

– A Fundaação Santos Dumont ficava no caminho que eu fazia quando crianca, em Sao Paulo. Ganhei um livro sobre ele e foi quando caiu a ficha de que ele não era só um inventor, mas nosso primeiro designer de produtos. De 22 projetos, só quatro não voavam. A finalidade dele era voar. É uma honra divulgar a obra de Santos Dumont, personagem histórico brasileiro maravilhoso. Mas é importante dizer que ele não foi o primeiro a inventar o avião, ele foi o primeiro a voar. O avião é um invento coletivo. Há uma sutil diferença.
Ao perguntar Japin sobre a sexualidade de Dumont, para saber por que no Brasil se costuma esconder quando um dos herois nacionais é homossexual, o autor foi enfático:

– É uma clara diferenca na recepção do livro aqui e na Europa. Aqui parece anormal falar da sexualidade das pessoas. Parece que é mais facil aceitar que ele era assexuado do que homossexual. O que magoa é que as pessoas não conseguem imaginar que um herói destemido fosse gay. Muitas vezes ele subia e caía, e ficava pendurada por horas, correndo o risco de explodir. Pois ele voltava para sua prancha para voar de novo. Ele era destemido. E as pessoas têm dificuldade de identificar que um homem destemido fosse homossexual. Ele gostava de tricotar, ele fazia almofadas, não havia dúvida de que ele era gay! Espero que no Brasil as pessoas possam aceitar com mais facilidade isso, uma pessoa é so uma pessoa, essa batalha já foi travada, ele ser gay não importa absolutamente nada.