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Cerimônia de abertura dos Jogos teve mosaico picotado e pop da música brasileira

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RIO – Entre o apelo popularíssimo das divas do funk e a classe de medalhões como Paulinho da Viola, a organização dos Jogos Olímpicos escolheu os dois ? e outros tantos. Em seu mapeamento da música brasileira, a cerimônia de abertura traçou um largo painel em mosaico, picotado, pop ? claramente voltado para a plateia internacional, mas legítimo, pertinente e com os pés fincados no chão real das rádios e da história.

Foi Paulinho quem fez o primeiro momento musical. Ao lado de um octeto de cordas, cantou o Hino Nacional. Com dolência seresteira, a interpretação foi feliz em seu poder de síntese, de representação do Brasil que se quer mostrar ? ecos de Villa-Lobos e dos quintais onde o choro e o samba cresceram estavam naquela voz e violão. Emoção sem apelos baratos.

Neto de Tom, Daniel Jobim fez ao piano uma leitura clássica de ?Garota de Ipanema? para Gisele Bündchen desfilar. A bossa nova e a modelo cumpriram o papel de representar a beleza apolínea do Rio 40°, que em seguida se abriu para o caos dionisíaco da favela, com Ludmilla e o ?Rap da felicidade?. O refrão, única parte cantada ali ? em arranjo que ?limpou? a força suja do funk ?, não dá conta da denúncia da letra. Seria bonito se ouvíssemos versos como os que dizem que o turista ?vai pra Zona Sul pra conhecer água de coco? enquanto ?o pobre na favela vive passando sufoco?.

Elza Soares, acima de questões sobre passado e futuro, se fez presente numa versão eletrônica de ?Canto de Ossanha?. As fronteiras fluidas de gêneros, um clichê que guarda verdade, apareceu com Zeca Pagodinho e Marcelo D2, num ?Deixa a vida me levar? com samba e rap. O desejo de cobrir a música brasileira contemporânea ? e as questões das quais ela se ocupa ? esteve no rap feminista de MC Sofia e Karol Conká. A vanguarda da periferia do treme da Gang do Eletro preparou a cama para Jorge Ben Jor fazer sem esforço o que faz desde sempre (e há pelo menos 30 anos do mesmo jeito): botar todos pra dançar com ?País tropical?.

Após o desfile das delegações, a música voltou – como tinha que ser, com o samba. Forte a imagem de Wilson das Neves fazendo o chamamento de mestres como Candeia e Cartola, pelos versos de “Bebadosamba”, de Paulinho da Viola. Enquanto ele batucava elegantemente sua caixinha de fósforos, um menino sambava do seu lado – imagem sintética da tradição de um século do gênero, que segue.

Seu chamemento desembocou noutra síntese: Caetano e Gil cantando Ary Barroso, “Isto aqui o que é?”, canção que é um postal profundo do Brasil. Mais: “a morena que faz penar” da letra encarnada na figura de Anitta, que sem sair do samba, trouxe para o mundo real de cores saturadas do pop-funk a sensualidade (esquecida pelo peso de clássico) da canção.

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A entrada de bateria de escolas de samba completou o quadro, ao dialogar com dois maiores nomes da MPB e com uma das maiores estrelas pop de hoje, num resumo do aspecto mais alegre e festivo da música brasileira.