RIO – O candomblé e diversas representações da cultura afro-brasileira se encontram
com o catolicismo na lavagem da escadaria da igreja, coroada com apresentação de
Caetano Veloso. Podia ser em Santo Amaro, na Bahia, na Matriz de Nossa Senhora
da Purificação, mas é em Paris, na Paróquia da Madeleine. Em sua 15ª edição, a
Lavagem da Madeleine acontece de hoje a domingo, sob o comando ? e aí tudo se
explica ? do santamarense Robertinho Chaves.
? Eu vivia aqui em Paris e, em
1998, com a Copa da França, decidi fazer algo para movimentar a imagem do Brasil
e a comunidade brasileira local ? conta o idealizador do evento. ? Percebi que a
lavagem podia cumprir esse papel, um evento tão bonito, que trago comigo desde
Santo Amaro.
A ideia inicial foi fazer o evento
na Basílica de Sacré Coeur. Robertinho, porém, não teve acesso ao padre e não
conseguiu ser recebido por nenhum responsável da igreja (?Um brasileiro preto e
nordestino querendo falar, eles deviam achar que era um maluco?, diz o
produtor). Acabou conseguindo autorização da polícia para realizar a lavagem,
mas não na basílica, e sim na praça em frente a ela.
?Fiz isso num ano, fiz no ano
seguinte, mas não era o que eu queria. Achei que não tinha nada a ver e deixei
aquilo lá ? conta Robertinho, vendedor de picolés na infância em Santo Amaro e
que, em Paris, chegou a fazer carreira como dançarino do grupo Kaoma e cantor
(atualmente ele integra o elenco do espetáculo ?Paradise latin?).
Dois anos depois, ele retomou o projeto, quando conseguiu autorização da
Paróquia da Madeleine, de orientação mais progressista.
? A cerimônia nasceu dos negros,
que lavavam a escadaria para os brancos entrarem na igreja ? lembra Robertinho.
? Madalena era uma prostituta, também sofria perseguições e preconceito da
sociedade. O padre de lá tinha outro conceito, viu a manifestação como algo
cultural, que envolve samba, capoeira. Ele entendeu que não havia conflito com o
catolicismo.
Inicialmente, a plateia era dominada pela comunidade brasileira em Paris
(?Eles vêm celebrar seu banzo?, nas palavras de Robertinho). Hoje, porém, há uma
frequência significativa de franceses e turistas de passagem pela cidade.
? Recebemos entre 20 e 30 mil
pessoas por edição. Neste ano, com a presença de Caetano Veloso, nossa
expectativa é de 50 mil ? adianta o produtor, amigo da família de Caetano desde
a infância. ? Dona Canô foi minha segunda mãe. Caetano vem participar por
amizade, de graça.
‘MEU RECÔNCAVO EM PARIS’, DIZ CAETANO
Admirador da iniciativa, o cantor e
compositor ressalta o simbolismo presente no evento:
? Para mim, é uma glória
participar da Lavagem da Madeleine, essa manifestação típica do meu Recôncavo
Baiano transplantada para o coração de Paris. O poder suave da festa e da fé se
espalha pelo mundo e se concentra nos lugares mais encantados e encantadores.
Espero estar à altura do valor simbólico do evento. Ao menos no meu íntimo, com
a alegria e o respeito necessários.
A Lavagem da Madeleine começa hoje,
com uma missa ecumênica celebrada pelo padre da paróquia, com a presença de um
babalorixá, um coral de artistas brasileiros radicados na França e um grupo de
percussão afro-brasileira. Amanhã, será realizada uma mesa-redonda sobre samba.
As atrações seguem na sexta-feira, com Teresa Cristina e Caetano Veloso, entre
outros, e no sábado, com Roberto Mendes como um dos destaques. Grupos de
capoeira e oficinas de percussão completam a programação, que termina no
domingo, com desfile reunindo brasileiros e franceses nos tambores de grupos
como Batala, Yolanda do Brasil e Tribo de Londres.