O Maracanã está entregue aos gatos, enquanto o governo estadual e a Maracanã
S.A. (Odebrecht e AEG) dizem não ter responsabilidade pela manutenção do estádio
? cuja reforma custou R$ 1,3 bilhão aos cofres públicos. A sujeira, a
degradação, a falta de luz, os restos de material dos Jogos Olímpicos e os
muitos gatos que moram no complexo esportivo ajudam a deteriorar a arena,
reformada em 2013. Ontem, O GLOBO entrou com exclusividade no estádio e
constatou seu estado de abandono. Governo e concessionária responsabilizam o
Comitê Organizador Rio-2016 por ter deixado muita coisa por fazer após os Jogos
do Rio, fato admitido pela própria entidade. E, que isso, junto à falta de
manutenção, mudou a cara do estádio, para pior. O governo afirma ter notificado
duas vezes o comitê sobre as inconformidades.
Qualquer frequentador assíduo do Maracanã que entrasse
no estádio ontem se surpreenderia ao encontrar vidros quebrados, portas que não
fecham, sete mil cadeiras faltando, buracos na parede e uma arquibancada suja e
ainda com restos de comida e bebida derramados durante o Jogo das Estrelas,
organizado por Zico. A partida, que levou quase 60 mil pessoas ao estádio,
ocorreu em 28 de dezembro. Uma semana depois, o lixo ainda está lá.
As cadeiras que foram repostas não respeitaram o desenho original do mosaico,
deixando parte da arquibancada com cara de remendo ? diferente do que foi
entregue para a Rio- 2016. As cadeiras de acompanhantes de cadeirantes foram
recolocadas na parte superior do estádio, onde não é possível acessar em uma
cadeira de rodas.
Na parte mais nobre do estádio, os camarotes parecem ter
sido saqueados, e alguns nem balcão têm. Todo o mobiliário, que contava com
sofás, cadeiras, pufes e mesas, foram estocados em salas. Muitos deles
estragaram e estão sem condição de uso. Os camarotes estão praticamente vazios.
Poucos possuem cadeiras. Na parte interna, o bar ainda tem restos de comida; em
algumas áreas, as televisões foram retiradas e ainda não foram recolocadas.
Ao olhar para o centro do campo, a situação não não é animadora. A grama seca
já é vista nas laterais e no centro. E não é por uso excessivo: é por falta de
água e cuidado. Uma simples caminhada no campo, sem fazer força, é suficiente
para que tufos de grama seca se desprendam da terra.
O gramado foi instalado no fim de outubro a pedido do Flamengo. O
rubro-negro, que mandou a partida contra o Corinthians, no dia 23 daquele mês,
pagou pela instalação da grama, segundo confirmaram fontes do clube. Além disso,
na ocasião, a diretoria do Flamengo precisou montar uma força tarefa para limpar
o estádio e até ajudar a instalar cadeiras.
Durante essas partidas que aconteceram depois da Olimpíada, Flamengo,
Fluminense e Vasco não puderam cobrar um preço maior na área do ?Maracanã Mais?
(um setor mais VIP) porque as cadeiras numeradas estavam fora de ordem e era
impossível oferecer o serviço aos torcedores.
Sem saber quem é o seu contratante ? governo do estado ou concessionária ? e
sem receber, a Greenleaf, empresa responsável pela manutenção do gramado, não
está trabalhando no Maracanã. Além disso, por causa da falta de luz que atinge o
estádio desde sexta-feira, dia 30, não é possível fazer irrigação do campo. O
último corte foi feito para o jogo festivo de Zico, a pedido da organização do
evento. Com forte calor e poucas chuvas, a grama está ressecada e morrendo aos
poucos.
Já na parte interna ? salas e escritórios ?, o cheiro de mofo é perceptível.
O material estocado não está em boas condições. Nos corredores internos, há
buracos feitos nas paredes para passagem de fios, rebocos caídos, remendos à
mostra, infiltrações e partes de forro abertas. Nas rampas de acesso ao estádio,
elevadores e escada, é possível ver ainda parte da identidade visual do Comitê
Rio- 2016, do Comitê Olímpico Internacional e do Comitê Paralímpico
Internacional.
O diretor de comunicação do Rio-2016, Mário Andrada, afirma que o comitê
entregou o estádio em 30 de outubro como estipulava o Contrato de Autorização de
Uso (VUA, sigla em inglês). Ele, no entanto, reconheceu que, pelo contrato de
devolução assinado com o governo do estado, ainda há ?reparos para serem
feitos?, e garantiu que as intervenções serão feitas, mas ressalta que o
documento não estipula uma data.
POSIÇÃO DO GOVERNO
Como o estádio não está nas mesmas condições em que foi
entregue para o Comitê, a Maracanã S.A. se recusa a recebê-lo de volta e, por
nota, manifestou-se: ?A concessionária até o momento não reassumiu o Maracanã e
o Maracanãzinho devido ao descumprimento do Termo de Autorização de Uso por
parte do Comitê Organizador Rio-2016. O VUA prevê que o comitê organizador
deverá manter o complexo sob sua administração até que tenha concluído todas as
obras de reparação de danos e avarias causadas durante o uso, a fim de que as
instalações retornem ao seu estado original. Apenas após o cumprimento dessas
obrigações, o complexo retornará à Concessionária.?
Já o governo afirma que repassou o estádio à
concessionária, e que a responsabilidade pela manutenção básica é da Maracanã
S.A. Mas, por outro lado, reconhece que o estádio foi entregue com reparos para
serem feitos pelo Rio-2016.
Fontes ligadas a Flamengo, Fluminense, Vasco e Zico
confirmaram que, para realizar os jogos no estádio em 2016, eles não negociaram
com a concessionária nem com o governo oficialmente. Mas que apenas receberam
autorização para usar o estádio, sem qualquer documentação.
Além do mistério da administração do Maracanã, outro problema é em relação à
falta de luz. Procurada, a Light disse desconhecer corte de energia ou queda de
luz provocada pelo chuva no estádio. ?A Light informa que o fornecimento de
energia para o Estádio do Maracanã sempre esteve normal. O Estádio do Maracanã é
suprido por duas linhas de energia, subterrâneas , que funcionam alternadamente
em caso de falha em uma delas, não sendo registrada nenhuma anormalidade neste
sistema e não confirmando a informação de impacto de chuvas e ventos nesta rede.
Vale ressaltar que a interrupção para o Maracanã pode ter sido ocasionada por
algum problema no sistema elétrico interno do estádio, de responsabilidade do
próprio administrador. Também não houve qualquer contato da administração do
Maracanã com a Light, informando sobre falta de energia no local?, informou, em
nota, a Light.
O fato é que o estádio está às escuras desde
sexta-feira, segundo relatos dos poucos funcionários de segurança que trabalham
no Maracanã e de moradores da região. Ontem , por medo de furto, as empresas de
limpeza e segurança do estádio retiraram seus materiais de trabalho, incluindo
computadores que estavam instalados no Maracanã.