RIO ? Se a data ?oficial? dos 100 anos do jazz não é tão comemorada, como foi a do centenário do samba, é porque o começo da história do jazz pode ser ainda mais discutível do que o polêmico primeiro passo dado pela gravação de ?Pelo telefone?, em novembro de 1916. Neste, o que se discute é se seu autor é ou não Donga (ou se a participação dele foi tão pequena que não merecia os créditos que garantiu ao registrá-lo), se foi de fato o primeiro samba gravado (já se sabe que não) e se era mesmo samba (ou, simplesmente, um maxixe com o rótulo de samba).
Grandes nomes do jazz que fariam 100 anos em 2017
Já com o jazz a história começa a se complicar quando se sabe que, em 31 de janeiro, portanto antes do disco Victor, o mesmo LaRocca e seu grupo já tinham gravado na Columbia ?Darktown struttes? ball? e ?Indiana?, 78 que só seria lançado meses depois, quando a Columbia se convenceu, pelo êxito do disco Victor, que aquele estilo de música vendia.
Mais discutido ainda foi se era certo chamar de jazz o que LaRocca fazia. Seu estilo era, realmente, o ?dixieland?, o da improvisação coletiva criado pelos negros de Nova Orleans, ao transferirem ? da voz para os instrumentos largados ali pelas bandas da Guerra da Secessão ? seu modo de se expressar musicalmente. Ou seja, o jazz autêntico. Vendo a questão por esse prisma, LaRocca, branco, seria apenas um imitador.
Nascido em Nova Orleans, berço do jazz, filho de um imigrante siciliano, cornetista sem brilho (ao menos sem a estatura de Buddy Bolden, King Oliver, Bunk Johnson ou, mais adiante, Louis Armstrong), Dominic James LaRocca tinha pela música dos negros uma sincera admiração. Com apenas 16 anos, organizou sua primeira banda. Em 1916, convocou o clarinetista Larry Shields (o melhor do grupo), o trombonista Eddie ? Daddy? Edwards, o pianista Henry Ragas e o baterista Tony Sbarbaro e com eles criou a pretensiosamente chamada Original Dixieland Jazz Band. Os quatro ? nenhum deles negro ? estiveram com LaRocca nos dois discos históricos.
As discussões sobre LaRocca cresceram, até adquirirem o ponto da quase total negação, depois do espetacular sucesso de uma de suas composições, ?Tiger rag?, lançada também em 1917 e logo transformada em clássico. Louis Armstrong, Duke Ellington, quase todos os grandes nomes do jazz a gravaram. Não tardaria o dia em que LaRocca se diria ?o inventor do jazz?, ou ?o Cristóvão Colombo da música?, ou ?o mais legítimo e imitado? nome da escola de Nova Orleans.
Quando morreu, aos 71 anos, em sua cidade natal, Nick LaRocca já estava afastado da música havia décadas. Largou pela primeira vez o seu grupo em 1920, quando uma crise nervosa o obrigou a se afastar por meses. Interrompeu assim os planos de voltar a excursionar pelo país e pela Europa, como já tinha feito, para ?mostrar ao mundo o que é o jazz?. Em meados da década de 1930, tentou recriar o quinteto, mas pouco depois desistiu. Passou os últimos anos de vida recluso, escrevendo longas cartas aos jornais para que não esquecessem seu papel de ?inventor?.