Opinião

Envolvimentos tecnológicos

O avanço da inteligência artificial desafia as relações humanas, na medida em que possibilita o desenvolvimento pessoal atrelado a dados e panoramas objetivos. Não só para a mão de obra, inclusive intelectual, mas também para as relações humanas parece, gradativamente, haver uma substituição do imprevisível, envolto em sentimentos, pela previsibilidade algorítmica. Os relacionamentos se pulverizam pela ausência de flexibilidade na aceitação da diferença, pois é possível programar vivências adequadas ao ego de cada um, sem precisar lidar com as peculiaridades humanas.

Assim, surgem novas modalidades de relacionamento, como os “conversantes”, que podem restringir os contatos à virtualidade, onde remanesce o platonismo e há completa perda da realidade humana. Afinal de contas, é possível manter uma relação puramente virtual de conversas até mesmo com uma máquina, programada para dizer o que é de agrado. Há, portanto, a mescla confusa entre realidade e a fantasia, de modo que os sentimentos dão prevalência à segunda opção, por ser agradável e quase isenta de conflitos.

Os relacionamentos, assim, não perdem apenas sua durabilidade, mas seu ponto de conexão humana, de intersubjetividade, na construção da identidade de cada um. Dessa forma, o desespero pela perda da identidade leva à uma crescente necessidade de aceitação, sendo que os escassos contatos humanos, mesmo que seja com “likes” pautam o vazio dos relacionamentos humanos na era digital.

A questão principal não é demonizar a tecnologia, pois é mera ferramenta, neutra de qualquer ação negativa. A malignidade está no uso que é feito dela, pautado na busca da certeza e da felicidade individual, que ignora a teia de relacionamentos em que o ser humano se insere. Está, ainda, no fato de sobrepor os aspectos virtuais às verdadeiras relações, especialmente aquelas íntimas de afeto. O relacionamento virtual não deve ser a regra, mas a complementação do afeto real.

Nesse sentido, há discussões a respeito das chamadas “famílias virtuais”, em que o contato por meio digitais é preponderante. Embora a redução dos conflitos seja um dos elementos positivos aventados por essa prática, as relações humanas não podem estar ausentes de conflitos, pois esses surgem justamente nas singularidades das personalidades. Ao contrário de isso ser negativo, isso é ponto de partida para os desenvolvimentos pessoais, desde que os conflitos não desemboquem em violência.

Assim, considerando o melhor interesse dos mais vulneráveis, tem sido possível a regulamentação de relações virtuais, como videochamadas entre pais e filhos, em complementação às visitas presenciais ou em casos de necessidade de reaproximação. O ideal seria deixar essas relações regulamentadas pela autonomia privada de cada indivíduo, porém, o Estado tem a possibilidade de ingerência para proteção das vulnerabilidades e para a realização dos direitos inerentes a cada indivíduo, em respeito à dignidade.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas