Cotidiano

Guaíra e Terra Roxa perderão 22 mil hectares se Suprema Corte “reprovar” Marco Temporal

Em Brasília, representantes dos índios fazem pressão contra o marco temporal; no campo, produtores rurais pedem segurança jurídica

Indígenas de várias etnias fazem caminhada para acompanhar em frente ao STF a votação do chamado Marco temporal indígena
Indígenas de várias etnias fazem caminhada para acompanhar em frente ao STF a votação do chamado Marco temporal indígena

Cascavel – Um grande passo em direção à segurança jurídica no campo foi dado na noite de terça-feira (30), com a aprovação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 490 de 2007, o “Marco Temporal Indígena”. Foram 283 votos favoráveis, 155 contrários e uma abstenção dos parlamentares. Por outro lado, a decisão gerou uma série de protestos por grupos indígenas em vários estados do País.

As atenções ficam voltadas agora ao Senado, Presidência da República, mas principalmente, ao STF (Supremo Tribunal Federal). No dia 7 de junho, o Supremo colocará o assunto novamente em pauta. Este posicionamento do Congresso coloca pressão na decisão do Supremo. O tema está estagnado na Corte desde 2021, quando o ministro do STF, Alexandre de Moraes, pediu vistas. Pelo texto do Marco Temporal Indígena, amplamente defendido pelos produtores rurais, só podem ser demarcadas as terras já tradicionalmente ocupadas por povos indígenas no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

O presidente do Sindicato Rural de Guaíra, Silvanir Rosset, comemora o resultado do PL 490 na Câmara e demonstra temeridade quanto à decisão do STF. Se o Supremo decidir pela inconstitucionalidade do Marco Temporal, uma área de 22 mil hectares de produtores de Guaíra e Terra Roxa passará a ser território indígena. Um duro golpe na história de vida desses produtores rurais, a maioria, agricultores familiares e que plantam para subsistência.

“Do jeito que o Brasil se encontra hoje, não é mais a Câmara e muito menos o Senado que tomam decisão no País. Como um rolo compressor, o STF passa por cima de tudo”, descreve Rosset. “Agora, se for para seguir o trâmite normal, a voz da Câmara é a voz do povo”. Para ele, esse é um assunto que não precisa mais ser discutido na esfera jurídica.

Dos 22 mil hectares passíveis de demarcação e impactados, caso a decisão do STF seja contrária ao Marco Temporal Indígena, 8 mil hectares correspondem a Guaíra e o restante em Terra Roxa. “É uma situação grave para ambos os municípios. Em Guaíra, todo o entorno da cidade será afetado”.

Derrota governista

A decisão do Congresso é mais um duro golpe na base governista do Governo Lula. Para o setor do agronegócio, a sinalização da Câmara dos Deputados confirma o direito à propriedade e a segurança jurídica, na prática, significando a paz no campo, mitigando os riscos de conflitos sobre terras.

Em suma, se o Marco Temporal passar por todas as instâncias, os indígenas podem questionar e demarcar mais terras se comprovar que estavam na área desde a promulgação da Constituição, caso contrário, quem tem em mãos a escritura da terra, permanece com seus direitos garantidos.

Com a aprovação na Câmara, o texto segue agora para o Senado. Sem a tese do marco, áreas de propriedades tituladas há anos podem ser questionadas e demarcadas como indígenas. Se isso ocorrer, o território brasileiro sairia de 14% para 28% de áreas indígenas.

Senado admite lentidão

Em entrevista concedida à imprensa, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já antecipou que antes de ir ao plenário, o projeto passará por uma comissão temática. É um indicativo de uma tramitação mais lenta em comparação com a movimentação e celeridade dada pela Câmara dos Deputados. O posicionamento do presidente do Senado conflita com o da bancada agro no Senado, que não medirá esforços para acelerar a tramitação do texto na Casa.

A pressão contra a aprovação do Marco Temporal Indígena agitou os bastidores de celebridades do Brasil e do exterior. Até o ator Leonardo DiCaprio, por exemplo, utilizou o Twitter para pedir votos contrários ao PL 490.

Há uma série de divergências sobre como o STF vai se posicionar a partir da próxima quarta-feira. Existe uma leitura e inclinação do STF pelo voto contrário. Porém, essa decisão pode ser postergada, caso algum ministro peça vistas, assim como fez Alexandre de Moraes em 2021.

Se na próxima semana o STF decidir pela inconstitucionalidade do Marco Temporal das Terras Indígenas, vale a decisão da Corte, porque o PL do Marco Temporal acabou de ser aprovado na Câmara e ainda não é lei. Depois de passar pelo Senado, o texto precisa ser sancionado pelo presidente Lula e, em caso de veto, terá que ser apreciado em sessão do Congresso Nacional, que pode derrubar o veto e promulgar a lei.

Foto: ABR

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Um risco iminente para o agronegócio

O risco ainda é iminente para o setor do agronegócio brasileiro. Conforme dados fornecidos pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), se o Marco Temporal Indígena for considerado inconstitucional, o território brasileiro sofrerá um duro impacto. Muitos agricultores e famílias inteiras estão preocupados com essa possibilidade e com o futuro nada otimista. Por isso, essa é uma das discussões mais importantes do agronegócio em 2023.

O presidente da SRO (Sociedade Rural do Oeste do Paraná), Devair Bortolato, mais conhecido como Peninha, a decisão da Câmara Federal em torno do texto-base do Marco Temporal das Terras Indígenas, gera um pouco mais de segurança jurídica ao homem do campo e também ao índio. “Antes não existia uma data prevista, uma data fixa apontando quem era o dono da terra. Então era uma lei ainda a ser cumprida ou não e agora foi promulgada pelo Congresso”.

Conforme Peninha, o STF é o guardião da Constituição e não “mudador de leis”. “Se o Congresso promulgou, cabe ao STF respeitar a decisão. Leis são feitas para serem respeitadas”. Ele não vê muito sentido o STF entrar nesse campo de discussão sobre esse assunto. “Agora, precisamos regulamentar outra importante questão para o País, com relação às invasões de terras e acabar com esse negócio do produtor não ter mais segurança no que está fazendo”.

Para o presidente do Sindicato Rural de Cascavel, engenheiro agrônomo Paulo Orso, a expectativa agora a partir da aprovação do texto-base do Marco Temporal Indígena pelo Congresso Nacional, é pela harmonia no campo, “para que o produtor possa trabalhar com tranquilidade”.

Para Orso, o agronegócio é contra qualquer tipo de confronto. “Temos certeza de que todas as esferas públicas de poder almejam a paz. Com segurança e tranquilidade, o produtor rural poderá continuar produzindo e sendo peça fundamental para a economia do País, que, por sua vez, terá mais possibilidades de investimentos na sustentabilidade e proteção de sua população”.

SRO recebe desembargador

Tema premente a partir da eleição do novo governo do País, as ocupações de terra são um tema que tem provocado uma série de debates, inclusive com a criação específica de uma CPI no Congresso Nacional. Para falar sobre a mediação de conflitos fundiários, a Sociedade Rural do Oeste do Paraná recebe nesta quinta-feira, a palestra do Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, Fernando Prazeres, que preside essa comissão no TJPR. A palestra será na sede da SRO, a partir das 19h30.

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Ministra de Lula espera que Senado rejeite marco temporal

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, disse ter esperança de que o Senado rejeite o Projeto de Lei 490, já aprovado na Câmara dos Deputados. “Apesar do que assisti ontem (terça, 30), tenho esperança e acredito que os parlamentares e as parlamentares comprometidos com a vida irão se empenhar para barrar o projeto no Senado”, declarou a ministra ao participar, ontem (31), de uma audiência pública a convite da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), da Câmara dos Deputados.

O texto aprovado pela Câmara dos Deputados é um substitutivo. Ou seja, uma proposta alternativa apresentada pelo relator da matéria, o deputado Arthur Maia (União-BA). “Uma lei ordinária jamais terá o poder de alterar o texto constitucional”, afirmou Guajajara, durante a audiência da CCJ da Câmara, classificando o texto aprovado como exemplo da “postura anti-indígena de alguns parlamentares”. “Sabemos que, infelizmente, para muitas pessoas deste país ainda é muito difícil compreender o conceito da dívida histórica [que o país tem com os indígenas]. Até mesmo para alguns parlamentares desta Casa, as políticas públicas afirmativas que visam à reparação desta dívida histórica nem deveriam existir.”