Opinião

Coluna Direito da Família: o início e o fim da fome

A noção de finitude, dentro do ciclo biológico natural, traz impactos na ação do ser humano. Há a necessidade de deixar marcas visíveis no mundo, como um legado, para demarcar a breve passagem. Existe um fim certo, dentro da infinidade de necessidades dos indivíduos em seu trajeto. Em uma pergunta quase retórica, a fome teria início e fim? Do ponto de vista filosófico, as necessidades biológicas são cíclicas, de modo a não ser possível determinar um ponto específico.

Do ponto de vista jurídico, porém, é possível determinar os termos iniciais e finais da obrigação alimentar familiar, dada a necessidade de segurança jurídica nas relações sociais. Portanto, a responsabilidade quanto aos alimentos está delimitada em um período de tempo, sendo imprescindível mencionar que não se trata apenas de suprimento da fome, mas de todas as necessidades básicas do alimentando.

Os alimentos, conhecidos como pensão alimentícia, podem ser devidos, no âmbito familiar, em decorrência da relação conjugal, da relação de filiação ou da relação biológica. É possível, assim, prestar alimentos aos cônjuges, aos filhos (pais, em via reversa) e aos parentes próximos.

Para o ex-cônjuge ou ex-companheiro, a obrigação alimentar deriva do dever de sustento, na constância do casamento ou da união estável, não havendo limitação legal de gênero. Por certo, pela construção social e econômica, em geral, os homens podem prestar alimentos, por período determinado, tendo seu início com a dissolução da relação conjugal ou de convivência. “O fim da fome” estaria na recolocação no mercado de trabalho ou pela existência de nova relação conjugal ou de convivência, pois haveria transferência de responsabilidade. Não perdura, portanto, de forma indefinida.

Para os parentes próximos, os alimentos decorrem da solidariedade familiar, desde que comprovada a necessidade alimentar e a possibilidade de quem presta. Aliás, esse é o fundamento de qualquer definição de obrigação alimentar, não estando ligado apenas aos aspectos biológicos, mas também às relações socioafetivas. Este dever se encerra com o fim da necessidade ou da possibilidade.

Para os filhos menores, porém, o rigor legal é mais significativo, visto que resguarda o interesse de menor incapaz, em absoluta prioridade. Assim, o início dos alimentos pode estar desde a vida intrauterina, para proteção dos direitos mais caros de seres em desenvolvimento: o chamado nascituro. Evidencia-se mais esta obrigação quando do rompimento das relações conjugais ou de convivência, quando há a necessidade de fixação do quantum alimentar.

Logo, independentemente da relação conjugal ou do tipo de guarda, o genitor que não tem a companhia permanente do menor deve prestar alimentos para satisfação das necessidades alimentares, de educação, de vestuário, de saúde e de cultura do menor, até sua maioridade. Porém, o encerramento de tão obrigação não é automático com a maioridade. É imprescindível ação específica de exoneração alimentar, visto que é possível a extensão da obrigação até os 24 anos, se o filho cursar ensino superior e não puder trabalhar.

O fim da vida, do alimentante ou do alimentando, também impacta no dever alimentar, podendo exonerá-lo ou transferi-lo para quem necessite ou possa arcar. Assim, juridicamente, definem-se o início e o fim da fome, dentro das relações familiares, com uma perspectiva de ethos mínimo a ser seguido. Contudo, o afeto, sem fronteiras, como definidor das relações familiares, garante a preocupação com a manutenção da dignidade independentemente de determinação legal ou judicial. Afinal, é pelo amor que se rompe a finitude humana para alcançar a eternidade.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária advogada e mestre em Ciências Jurídicas