Opinião

Coluna Direito da Família: Um olhar maternal

Coluna Direito da Família: Um olhar maternal

 

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas

 

No caos humanitário acompanhado nos últimos dias decorrente da guerra entre Rússia e Ucrânia, as lágrimas ecoam um pedido de humanidade. No entanto, o adjetivo humanidade não me parece o mais adequado, visto que não há espécie mais destrutiva que a humana, destruindo a si própria e à sua casa diariamente. Adequado seria o cuidado da maternidade, que o próximo fosse visto com os mesmos olhos que a mãe observa sua cria.

Via de regra, a maternidade transforma, trazendo consigo o sentimento mais puro de empatia. Num eterno rasgar-se e remendar-se de Guimarães Rosa, a mãe vai se moldando com cada toque, cada olhar e cada cuidado com o próximo, deixando o cuidado de si própria em segundo plano. A mãe esteriotipada de castigo sempre pronto esconde a mãe que cuida, alimenta e ama.

Não há dúvidas sobre a face de Deus estar estampada no ato de ser mãe, mas esta figura já foi muito desamparada pelo Direito, ainda que geradora a vida, pelo simples fato de ser mulher. Se os homens gerassem, muito provavelmente, seriam sacralizados e seus direitos estariam garantidos há eras. Apesar da beleza da maternidade estampada nos discursos diários, ela é dura e enfrenta inúmeros desafios.

Até pouco tempo, o filho era do pai, ainda que a certeza sobre a filiação estivesse apenas sobre a mãe (mater semper certa est pater nunquan – sabe-se certamente quem é a mãe, já o pai nunca se sabe ao certo). Dessa forma, com a ruptura da sociedade conjugal, a guarda dos filhos menores restava ao pai. Talvez uma maneira de inibir a conduta atentatória à fé católica frente ao sacramento do matrimônio que era o então desquite.

Além disso, a infidelidade do pai era poupada pela distinção dos filhos conjugais e extraconjugais, sendo que os últimos teriam designação e direitos diferenciados (prejuízo aos filhos e benefício à família conjugal), ao passo que a infidelidade da mãe a tornava uma pária, sem direito sequer a alimentos, ainda que não dispusesse de meios para se manter. Atualmente, é possível a manutenção do sobrenome do marido, visto ser requisito formador da identidade da pessoa, além de garantizar os alimentos da cônjuge e da companheira, diferenciado dos alimentos aos filhos menores.

Além disso, até 2015, a mãe só poderia registrar o filho sozinha se houvesse inércia do pai nos primeiros quinze dias do filho, como se estivesse em patente de escalão inferior. Mesmo tendo gestado por meses, quem assenta a bandeira, na linha de chegada, é o pai, que no mais das vezes sequer trocava as fraldas da criança. Atualmente, é permitido o pai ou a mãe registrar em conjunto ou separadamente. Aliás, a legislação prevê igualdade das obrigações entre homens e mulheres com relação aos filhos menores, não mais a submissão da mãe à condução do lar pelo pai, ambos devem ser companheiros na jornada da criação e da educação, em nome do melhor interesse da criança.

No entanto, quantas vezes o sacrifício é da mãe, os louros, do pai. Enquanto aquela é condenada (não só julgada) pela sociedade, quando não for perfeita, quando decidir se divertir ou quando quiser recomeçar um novo relacionamento, este sequer é indiciado por não dividir equitativamente as obrigações com a genitora. Tudo bem se paga pensão ínfima e se diverte, tudo bem se não sabe o remédio ou o ano escolar do filho (quem saberia afinal…), tudo bem se educa com gritos e palmadas, tudo bem se visita a cada quinze dias e não se preocupa nos demais; está apenas sendo pai…

É que os meninos demoram mais a amadurecer… Mulher não tem tempo de amadurecer, ainda criança precisa aprender a se comportar e a se moldar ao seu papel na sociedade, incluive de mãe. Saber que as críticas serão mais severas, que as pedras no caminho mais afiadas e que o troféu da vitória menos reconhecido, embora se reconheça a igualdade de gêneros como base da sociedade constitucional democrática. Igualdade que precisa ser galgada diariamente em uma sociedade que mata, cala e violenta mulheres todos os dias. A mesma sociedade que prioriza as questões econômicas às humanas e enquanto derrama sangue no peito de um homem, também o faz no coração de uma mãe.