O que nos é permitido fazer quando a deficiência de um filho é de tal gravidade que, do ponto de vista médico, não há chances de sobrevivência? Esta questão foi proposta a Hellinger durante um seminário nos seguintes termos: “Quando uma criança é tão seriamente deficiente, não é melhor dar-lhe uma injeção para livrá-la de seu sofrimento?”. Na resposta Hellinger distingue duas situações, as quais correspondem a dois conceitos éticos distintos: eutanásia e ortotanásia. A resposta de Hellinger pode ser estendida a quaisquer situações, e não unicamente a de um filho em grave deficiência. É importante esclarecer que a posição de Hellinger em relação a esta questão não leva em consideração os aspectos jurídico-legais, nem morais ou religiosos, e sim o modo como a decisão é vivida pela consciência, no profundo da alma dos pais e do sistema familiar como um todo.
A palavra “eutanásia” vem do grego “eu” (boa) e “thanatos” (morte) significando, literalmente, “boa morte” ou “morte piedosa”. Assim, se designa eutanásia ao processo em que se provoca a morte por piedade para com a pessoa que sofre ao invés de deixar que ela aconteça naturalmente.
A posição de Hellinger em relação a esse procedimento é radicalmente contrária: “Nesse procedimento, o que se pensa é que se pode tirar uma vida com uma injeção, como se ela jamais tivesse existido, como se essa criança não tivesse deixado nenhum rastro, e sua vida e sua morte fossem destituídas de efeito. Nisso, porém, não se vê que a criança, desde que nasce, faz parte da família. Ela é percebida nessa família como um membro dela, mesmo que, às vezes, apenas num nível inconsciente muito profundo. Por isso, o ato de eliminar sua vida, por mais bem-intencionado que seja, é vivido na família como um assassinato, que depois outros membros da família vão querer expiar, e o farão, muitas vezes de modo totalmente inconsciente” (Hellinger, B. Desatando os laços do destino, p.195).
Uma vez que semelhante morte é vivida pela alma dos pais e do sistema familiar como assassinato, cobra como preço a expiação. Como Hellinger complementa na sequência, a expiação muitas vezes se dá por meio de uma doença grave de um membro da família e mesmo pela loucura, não apenas na geração atual, como inclusive da geração seguinte.
“Ortotanásia”, por sua vez, é um termo que também vem do grego “orthos” (reto/correto) e “thanatos” (morte) e significa, literalmente, “morte correta”, ou seja, a morte pelo seu processo natural. Assim, ao invés de prolongar artificialmente a vida da pessoa (o que se designa de “distanásia”), deixa-se que a doença siga naturalmente o seu percurso.
Em relação a essa questão a posição de Hellinger é francamente favorável: “Sou mesmo de opinião de que não é necessário nem se tem o direito de conservar em vida, a qualquer preço, uma criança que não tenha nenhuma possibilidade de viver. Ela tem o direito de morrer, em consonância com suas disposições hereditárias. Portanto, tem-se o direito — esta é a imagem que faço — de deixar morrer uma criança com gravíssimas deficiências. Mas isso deve acontecer na presença de toda a família, de seus pais e também de seus irmãos, reunidos em tomo de seu berço. Então sua vida — e sua morte — será real e séria para todos, e terá grandeza” (Hellinger, B. Desatando os laços do destino, p.196).
JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.
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