No tópico anterior tratamos da deficiência de filhos quando estes já nascem com ela. Mostramos que é equivocado compreendê-la como castigo e querer encontrar a qualquer custo o responsável. Em contraposição a essa visão, mostramos que olhar para a deficiência congênita de um filho como um destino torna possível reconhecer neste filho uma bênção para a família e ver na deficiência uma missão a ser realizada pelos pais e irmãos. Na presente reflexão, examinaremos a deficiência surgida em consequência de uma doença ou de um acidente grave. As situações são obviamente diferentes, mas permanece a mesma perspectiva de compreensão: trata-se também aqui de um “golpe do destino”.
Comecemos com a situação de filhos que nascem com alguma doença em decorrência de problemas surgidos durante a gravidez ou do parto. Vamos olhar para o caso de uma mulher que teve grave comprometimento de sua saúde nos últimos dois meses da gravidez. Em decorrência disso, a criança passou da hora de nascer e foi retirada em cesárea de emergência. O procedimento deixou o ventre da mãe deformado, fato que lhe causou profundo sofrimento. A criança teve comprometimentos neurológicos graves, o que acabou absorvendo a atenção integral dos pais. Atualmente esta criança é uma pessoa adulta que sofre intensamente necessitando muitos procedimentos para continuar a vida. A mãe responsabiliza o pai pela dor que ela e o filho sofrem. O casal acabou se separando e a mulher se uniu em novo relacionamento do qual teve outro filho. Este segundo filho é sufocado por ela com todas as expectativas não realizadas com primeiro filho.
Nesses casos, de uma doença originada durante a gravidez ou do parto, não é incomum que o relacionamento do casal fique completamente esquecido e sacrificado ao filho, o que costuma levar à separação. Frequentemente, as mães se sentem culpadas e se perguntam se fizeram algo errado. Querem explicar por que deram à luz um filho com deficiência ou a um filho com alguma doença.
No entanto, não há nada para explicar e entender. O casal costuma se questionar: “Nos é permitido desfrutar um do outro como marido e esposa quando temos um filho com uma doença tão grave?”; “Nos é permitido rir e ver as coisas bonitas da vida enquanto nosso filho sofre?”. Aqui a única coisa que ajuda é concordar com o destino. A renúncia autoimposta do bom e belo da vida, supostamente em favor do filho deficiente, em nada alivia a ele. Antes o contrário: sobrecarrega ele com o sentimento de culpa ao perceber-se como responsável pela infelicidade dos pais!
A situação não é diferente nos casos em que um filho é vitimado por um grave acidente que o incapacita. Também nessa situação os pais costumam esquecer e sacrificar sua vida de casal em favor do filho. Nesses casos de doenças e acidentes incapacitantes que afetam os filhos é importante que os pais tenham presente que a relação de casal tem prioridade sobre o filho. Quando os pais estão bem, o filho geralmente também se sente bem. Um casal que cuida também de si pode ajudar ao filho de maneira muito mais eficaz do que quando concentra obsessivamente toda a sua energia nos cuidados médicos e teme constantemente perder alguma opção terapêutica ou cometer um erro. Ante tal pânico dos pais a alma do filho também reage com pânico.
JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.
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