Na coluna da semana passada, apresentamos a visão de Bert Hellinger do impacto na vida adulta sobre a criança abusada na infância e o modo como lidar com isso. Antes de tudo, precisamos enfatizar um ponto sobre o que escrevemos. A necessidade de a filha violada reconhecer o vínculo com seu pai se deve a motivos sistêmicos e não dispensa, nem ao mínimo, a necessidade de o pai assumir integralmente sua responsabilidade legal! No centro das preocupações de Hellinger está a questão de saber como lidar com a vítima de modo a levá-la à cura. Ao perpetrador, o pai, cabe pagar o preço da violação que cometeu.
As considerações sobre esse tema na coluna de hoje continuam com o propósito de mostrar, desde a perspectiva do que Hellinger descobriu no campo terapêutico, como lidar com a vítima de modo a levá-la a superar o trauma sofrido.
Um ponto que costuma trazer dificuldades adicionais à questão do abuso sexual na infância é o fato de, por vezes, o incesto ter sido experimentado pela filha como prazeroso. A criança costuma ter dificuldades de confiar nessa percepção, porque todos à sua volta reforçam a ideia de que ela foi vítima de algo muito ruim. Em consequência, quem acaba sendo demonizado não é unicamente o abusador, mas a sexualidade enquanto tal. Isso tem efeitos devastadores sobre a vida adulta da criança.
Hellinger, a partir do que se mostrou no campo terapêutico, indica outro caminho. Se, em vez de demonizar o pai, a filha abusada for encorajada a admitir que também houve momentos de prazer – desde que, obviamente, os tenha havido! -, preserva-se nela o belo do sexo. Sem dúvida, é necessário que a filha abusada sinta o espaço como seguro. No contexto da terapia, pode-se dizer a ela: “Mesmo que tenha sido prazeroso, você é inocente”. Ainda: “A responsabilidade inteira pelo que aconteceu contigo é de seu pai, não sua”.
Praticamente sempre o abuso acontece dentro do círculo familiar, embora nem sempre pelo pai com a filha/enteada ou, mais raramente, pela mãe com o filho/enteado. Em muitos casos, envolve irmãos mais velhos ou parentes próximos, como tios e primos, que compartilham da intimidade da família. Mesmo nesses casos, de outros familiares serem os abusadores, costuma contar com a omissão dos pais. Em algum nível eles “sabem”, “sentem” que algo errado está acontecendo e não confiam nem vão atrás.
As situações de abuso sexual na infância dificilmente têm como serem resolvidas sem ajuda profissional. Quando em uma relação de casal um dos cônjuges foi vítima de abuso na infância, e a relação entra em crise, é importante que tome a iniciativa de procurar terapia especializada. Ainda que o casamento atual não seja “salvo” com isso, é imprescindível para a saúde emocional de ambos e para possibilitar aos dois a chance de serem felizes.
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JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.
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