Nossa análise se apoiará nas descobertas terapêuticas de Bert Hellinger. Considerando o foco de nossas reflexões, nosso objetivo se limitará a mostrar que, algumas vezes, as dificuldades de disponibilização da intimidade sexual podem estar relacionadas a abusos sexuais da infância.
Ainda que não seja possível estabelecer um padrão comportamental, pessoas abusadas sexualmente na infância podem apresentar na vida adulta sintomas como depressão e tendências suicidas. Outras vezes, mostram propensão à prostituição ou, então, uma aproximação à sexualidade de maneira frívola e dificuldades de desenvolver a intimidade. Algumas vezes, ainda, é possível constatar em crianças abusadas sexualmente, depois de adultas, dificuldades para identificar sua opção sexual.
No trabalho terapêutico com casais em que um dos cônjuges sofreu abuso sexual quando criança, mostra-se com frequência que este cônjuge costuma expressar raiva em relação ao parceiro e alimentar sentimentos de medo e desconfiança. Praticamente sempre mostra grandes dificuldades de entrega.
Como lidar com semelhante situação? A situação é complexa e, para oferecer uma ideia minimamente clara, precisaremos nos ocupar do tema uma segunda vez. Nesta reflexão, vamos nos limitar a apenas um ponto indicado por Bert Hellinger. Considerando tratar-se de um tema muito delicado, vamos transcrever a posição que Hellinger expressou em sua última obra (Mein Leben. Mein Werk): “Uma filha que se envolveu em incesto com seu pai não consegue liberar-se dele e, mais tarde, tem dificuldades em criar um vínculo se o primeiro vínculo não tiver sido resolvido com amor”.
Aqui, o raciocínio de Hellinger segue o caminho conhecido para o êxito das relações em geral: um segundo relacionamento só tem êxito quando o ex-parceiro tiver sido honrado. Por mais que a ideia possa, talvez, nos repugnar, em termos sistêmicos, o pai foi o primeiro “parceiro” da filha.
O que acontece quando, depois de o abuso ter sido colocado à luz, demoniza-se o pai abusador? Na visão de Hellinger, quando o abusador é punido e, mais ainda, quando o depoimento da filha contribuiu decisivamente para isso, a filha abusada tende a ser ainda mais leal ao pai abusador. Assim, paradoxalmente, Hellinger nos mostra que a solução passa em a filha abusada honrar seu primeiro “parceiro”, ou seja, o pai, porque a sexualidade envolvida na relação cria um vínculo que vai além da relação pai-filha.
Negando o vínculo e demonizando o pai, a filha adulta dificilmente experimentará uma relação satisfatória na vida adulta. Se, em vez disso, a filha consegue dizer ao pai: “Eu te amei muito e fiz tudo por ti”, o amor é reconhecido e a filha pode se separar do pai, afirma Hellinger.
Aqui se trata de um movimento terapêutico: uma nova relação de amor é possível apenas quando a anterior é reconhecida e concluída.
Vamos continuar o tema na coluna da próxima semana.
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JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.
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