Cascavel – Com a mudança de comando-geral da Polícia Militar e Cida Borghetti ocupando a cadeira mais importante do governo do Estado, a esperança dos policiais é de pelo menos começarem a ser ouvidos. Eles não acreditam que todos os problemas criados durante o Governo Beto Richa sejam resolvidos, mas a esperança é que algo comece a ser feito.
O retrato atual é de total abandono de uma das corporações mais nobres e importantes do Estado. A Amai (Associação de Defesa dos Direitos dos Policiais Militares Ativos, Inativos e Pensionistas) traça um raio-X da PM e explica alguns dos fatores que trouxeram à realidade atual.
Um dos problemas discutidos esta semana é a correção salarial. Sem receber qualquer reajuste há três anos, a defasagem nos salários já chega a 20%: “Se não houver remuneração adequada, todas as coisas que a gente ouve falar aqui no Paraná se tornarão realidade, e não podemos deixar que o Estado chegue à mendicância que há no Rio de Janeiro. Onde se ganha muito pouco e vive em guerra”, alerta o coronel Elizeu Ferraz, presidente da Amai. “As pessoas sobrevivem com o salário mas o que ganham hoje é insuficiente para manter uma família. A verdade é que esse governo empobreceu os mais pobres e enriqueceu os mais ricos. Tiram do pobre, do miserável, e dão para o juiz, o promotor, o Tribunal de Contas. E a Constituição prevê que a remuneração comece pelos mais pobres”, cita o coronel.
Quase 10 mil homens a menos que o necessário
Com os salários cada vez mais achatados, a carga horária cresce, e muito. O problema é a falta de efetivo no Estado. De acordo com a Amai, a corporação possui 22 mil militares, quando deveria haver ao menos 30 mil.
De acordo com a Sesp (Secretaria de Segurança Pública), 11 mil militares foram contratados em oito anos, números contestados pela associação: “Em todo esse período de Governo Beto Richa foram contratados 6 mil policiais. Porém, são 800 baixas por ano. Se contar isso em oito anos, os contratados nem sequer supriram a quantidade de quem saiu. Desses aproximados 22 mil policiais, muitos ficam no administrativo e o trabalho de rua fica cada vez mais comprometido”, acrescenta o coronel Elizeu Ferraz.
“Ninguém está cumprindo a escala de trabalho. Muitos trabalham até 80 horas por semana, sem descanso, sem receber horas extras, sem compensar. Trabalhei a semana toda em operações especiais no Estado e não parei. Nem colete balístico tenho. Se a situação continuar assim, não sei até quando vamos aguentar. Não desistimos ainda porque não queremos deixar a sociedade desassistida”, relata um sargento que conversou com a reportagem.
Sem novas vagas
Além do efetivo que deveria ser contratado, outras 1.800 vagas de soldados deixaram de ser abertas porque os policiais da carreira de praça que já estão em atuação foram retidos no cargo. Sem promoção, não pode haver concurso para uma graduação direta do cargo de cabo, por exemplo, já que a carreira de praça começa com o soldado. Nesse caso, as vagas existem, mas não podem ser preenchidas. “Estagnaram as promoções para não contratar ninguém. A verdade é que o governo falhou como um todo em termos de funcionário público, em todas as organizações, e nós não escapamos desse conjunto de situações. Fala-se em 28% dos recursos sobrando, R$ 3 milhões em caixa, mas o funcionário público não é valorizado. O Estado tem milhares de presos onde cabe meia dúzia. Não se contrata agente, por exemplo; há falha em todos os setores”, acrescenta o presidente da Amai.
Sobre a previsão de um novo concurso para a PM, a Sesp respondeu somente que “trata permanentemente com outras secretarias de governo sobre a abertura de concurso público para as carreiras”.
Viaturas sucateadas e policiais sem coletes
O Estado entregou, neste mês, 120 viaturas para a Polícia Militar. Embora comemorado com “rojões”, o número mal dá para o gasto, considerando um estado com 399 municípios e diversos batalhões com verdadeiras sucatas rodando.
Em batalhões como o de Cascavel, por exemplo, a situação já ficou tão crítica que apenas duas viaturas tiveram de dar conta de toda a cidade. Os carros são antigos e setores como a Patrulha Escolar são atendidos com viaturas que não deveriam mais estar rodando. Segundo a Sesp, durante o Governo Beto foram entregues 3 mil viaturas entregues, mas ainda não foi suficiente.
Conforme a Amai, seriam necessárias pelo menos mais mil viaturas para suprir a necessidade da PM, considerando os carros antigos e aqueles que ficam parados por até seis meses para manutenção. A Sesp diz, em nota, que o tempo máximo de uma viatura rodar é muito variável, e que a manutenção dos carros, assim como toda a frota do governo, é feita por meio da empresa JMK.
“São carros que aguentam três anos no máximo, porque rodam 24 horas por dia. Se rodar 100 mil km por ano, em três anos já são 300 mil km. Aí a viatura começa a dar manutenção, tem dificuldade de circular. O crime acontece em qualquer lugar e os veículos não dão conta disso. Temos que andar com automóveis sucateados e sem ganhar um adicional de motorista, por exemplo. Os soldados se dispõem a estar no volante, mas além de tudo precisam pagar os danos se a viatura der problema ou se houver algum acidente, considerando que as batidas são consequência do nosso trabalho em uma perseguição, por exemplo, e precisamos tirar esse valor do bolso. Como um soldado que ganha R$ 4 mil vai tirar R$ 20 mil do bolso para consertar uma viatura?”, lamenta o presidente da Associação, coronel Elizeu Ferraz.
Coletes vencidos
O colete balístico, principal equipamento de segurança que protege a vida do militar, é caso sério. Há pelo menos 6 mil unidades vencidas desde o ano passado, além dos lotes que vão vencer nos próximos dias.
Sem a compra de novos coletes, os batalhões recolheram os acessórios ainda em condições de uso e estabeleceram um “rodízio”.
Cerca de 1.600 coletes doados pela Secretaria Nacional de Segurança Pública estão parados há meses, segundo a Sesp, porque não atendem o necessário para a PM. “A única coisa que entendo que difere esses coletes dos que os que a gente usa é a cor. São coletes pretos, e não amarelos. Estamos em uma situação crítica e precisamos de reposição imediata”, afirma o coronel.
Esperança de mudanças
Com a mudança de governo, sai Beto Richa e assume Cida Borghetti, a esperança agora é de que a nova governadora se sensibilize com a situação. Além disso, eles têm mais uma reivindicação: “Queríamos que o Estado fornecesse pelo menos um curso de Direito aos oficiais, que é o básico que usamos no dia a dia. Ou que os oficiais pudessem fazer qualquer curso superior que julgassem conveniente. Queremos que o soldado ingresse no mínimo com uma graduação, para que tenhamos sujeitos que ajudem a pensar. Mas parece que o Estado quer um funcionário cada vez menos culto. Queremos que os policiais tenham compreensão do problema que vive a sociedade”, desabafa o presidente da Amai, coronel Elizeu Ferraz.