Curitiba – Um dos homens-fortes da política paranaense nos últimos sete anos, Deonilson Roldo foi gravado em uma conversa em fevereiro de 2014, na qual afirma que havia um “compromisso” para que a Odebrecht vencesse a licitação da PR-323, rodovia no noroeste do Estado, um negócio de R$ 7 bilhões para concessão de pedágio e duplicação de 207 quilômetros. A gravação foi divulgada pela revista “IstoÉ”.
O áudio foi enviado ao MPF (Ministério Público Federal), que ainda não passou por perícia. Clique aqui e confira o áudio.
No áudio, o ex-chefe de gabinete e ex-secretário de Comunicação do Governo Beto Richa (PSDB) pede um “entendimento” a Pedro Rache, diretor-executivo da Contern, outra empreiteira interessada na obra. Em troca, oferece uma composição em possíveis negócios da Copel que envolviam o Grupo Bertin, dono da construtora em questão. “Espero que a gente possa construir um caminho positivo e interessante para os dois lados”, diz Deonilson ao interlocutor.
Com Sérgio Moro
Primeira PPP (Parceria Público-Privada) do Paraná, a duplicação da PR-323 é o motivo de Beto Richa ter caído recentemente nas mãos do juiz federal Sergio Moro, após perder o foro privilegiado. Em delação premiada à Operação Lava Jato, o ex-presidente de Infraestrutura da Odebrecht Benedicto Júnior disse que a empresa destinou R$ 2,5 milhões via caixa 2 à campanha de reeleição do tucano em 2014 – a intenção inicial era repassar R$ 4 milhões. Posteriormente, o valor seria abatido do projeto da obra. No entanto, afundada nas investigações do petrolão, a empreiteira desistiu do serviço.
Gravação feita no Palácio Iguaçu
A conversa entre Deonilson e Pedro Rache ocorreu no gabinete do ex-secretário, no 3º andar do Palácio Iguaçu, às vésperas do Carnaval de 2014. Após discutirem amenidades por alguns minutos, o braço-direito de Richa pergunta ao empreiteiro sobre os planos dele para participar da concorrência da PR-323. E ouve como resposta que a Contern tinha “planos fortes” e trabalhou bastante para vencer a licitação.
Diante disso, Deonilson diz que o governo agia com cuidado para que não ocorresse “nenhum problema” na PPP, porque havia um “compromisso” em relação à obra. Então, sugere um “entendimento” ao empresário para que o compromisso pudesse ser “respeitado”. “Tem outros [negócios] para acontecerem aí, que a gente quer a coisa comece da forma correta.” Na sequência, cita uma negociação em andamento na Copel à época, que envolvia em torno de R$ 500 milhões para atuar na gestão de seis usinas do Complexo Industrial de Aratu, na Bahia.
As térmicas estavam nas mãos do Grupo Bertin, que enfrentava dificuldades e buscava parceiros comerciais. “Isso aí, pelo que a gente conhece, pode ser até a salvação lá nesse ramo porque o grupo está tendo dificuldades de pôr em pé projetos e está precisando de um parceiro… 49% que a Copel está negociando. Então a gente queria ver em paralelo esses negócios. Se pode compor [as duas coisas]”, propõe Deonilson.
O empreiteiro argumenta que o projeto de participação na rodovia envolvia parceiros italianos e não teria como garantir o entendimento de imediato. Por isso, pediu uma postergação nos prazos da licitação da PR-323. “E a participação como cobertura?”, pergunta Deonilson, ao que Pedro responde: “Eu não vejo problema. Primeiro eu tenho que acertar, que ver lá [na Itália]. Mesmo que tenha uma parte que seja aqui na Copel, como a gente está falando, qual seria uma contrapartida para a construtora? Sendo isso tudo positivo. Abro uma conversa ainda hoje para poder andar nesse processo”.
Deonilson pede meia hora ao empresário para confirmar o prazo. “Faz acontecer imediatamente. Porque eu preciso colocar para o outro lado também e ver qual a posição dessa parte do grupo que é a energia. Se você puder só passar um torpedinho ‘postergado’, ‘nova data’, alguma coisa nesse sentido. Aí eu já sei o que é. Eu já marco e falo assim ‘ok, estou viajando, acabou’”.
Dois dias depois da conversa, a abertura dos envelopes da licitação da PR-323 foi postergada em um mês. Somente o consórcio encabeçado pela Odebrecht participou da concorrência. Já as negociações entre Copel e Bertin pelas usinas de Aratu chegaram a ocorrer, mas não avançaram.
Outro lado
Em nota, Beto Richa diz que “desconhece qualquer encontro do seu então chefe de gabinete com representante da construtora mencionada” e garante que “nunca autorizou qualquer pessoa a fazer tratativas para interferir em qualquer processo licitatório em seu governo”.
Também em nota, Deonilson Roldo disse que nunca cometeu “qualquer irregularidade em 34 anos de exercício de funções na administração pública”. “Estou sendo vítima de chantagem continuada, a partir de uma gravação clandestina feita por pessoa que esteve uma única vez em meu gabinete, no governo do Estado, em 2014, buscando informações sobre uma Parceria Público-Privada. A própria conversa (…) mostra que não houve pedido de favorecimento a ninguém. Tampouco os fatos posteriores indicaram que pudesse ter havido qualquer prejuízo aos interesses da administração pública. Nunca interferi ou sugeri qualquer direcionamento no processo licitatório da PR-323. Desde meados de 2015, quando houve a descoberta da existência dessa gravação clandestina, tenho sido vítima de ameaças e chantagens nos bastidores, com pessoas se utilizando inescrupulosamente de um suposto comportamento criminoso de minha parte – o que nunca ocorreu. Sou acusado caluniosamente de tratar de uma licitação com um empresário que não participou desse processo e de lhe oferecer vantagens na negociação de um empreendimento cuja venda não se efetivou. Isso para beneficiar uma terceira parte numa obra que nunca foi realizada”.
Em nota, a Contern informa que “participou da licitação da PR 323, do mesmo modo que concorreu em outros tantos processos licitatórios. O engenheiro Pedro Rache exerceu durante vários anos funções de direção na Contern, tendo sob sua responsabilidade interação com os órgãos públicos aos quais as licitações estavam vinculadas. Em nenhum momento, a Contern recebeu sinais de que o referido processo licitatório estaria direcionado para uma ou outra determinada construtora”.
A Copel também nega irregularidades.
Confira a transcrição da gravação:
Deonilson Roldo, ex-secretário – Vocês têm planos para a PPP da 323?
Pedro Rache, presidente da Contern – Tenho planos fortes. Trabalhei muito e estou trabalhando. Claro que de uma maneira bem discreta. Mas estou com a proposta pronta para entregar agora. Foi um trabalho bastante longo e detalhado para buscar todos os processos. Alinhar uma série de coisas. Foi um trabalho bastante delicado. Eu diria que eu estou aí há quase 9 meses ou 10 meses trabalhando. São dois trabalhos grandes. Era essa e uma federal, que a gente entrou. Ficamos em terceiro lugar.
DR – Vocês entraram na 163?
PR – Na 050. Então ficamos lá em terceiro lugar. Está sendo um trabalho bastante detalhado. Mas quando eu vi a ligação. O Paulo Poina havia me falado que o senhor tinha ligado, eu falei, deixa que eu vou retornar a ligação. O Paulo é nosso diretor lá. Foi o meu presidente no começo da Contern e hoje eu trouxe ele de volta para assumir uma diretoria.
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DR – Nós temos interesse em implantar a primeira PPP do estado e estamos com umas outras para saírem agora. […]. Então, nós temos um cuidado muito grande para que as coisas não tenham nenhum problema. Mas a gente tem um compromisso nessa obra aí. E eu queria ver até onde a gente pode entrar nesse compromisso aí, digamos que respeitado. A gente conversou com muita gente no mercado e aí queria ver qual é a possibilidade de entrar num entendimento aí. Porque, enfim, é um negócio grande, que a gente tem interesse que dê certo e tem outras para acontecerem aí, que a gente quer a coisa comece da forma correta.
PR – Eu hoje estava bem preparado para entrar aí, mas… Primeiro eu tenho um grupo italiano que trabalha comigo, então, eu não tenho hoje uma condição para falar com você que no dia da entrega aqui eu resolvo. Eu não tenho condição. Eu tenho que pegar um avião e ir para a Itália para poder tomar uma solução. Porque nem por telefone eu posso falar isso.
DR – Isso é assunto para se resolver direto.
PR – Então eu não tenho como falar para você hoje, se você me perguntar, o que estou falando é que… difícil, eu vou entrar… eu não tenho como falar isso. Mas se existir uma possibilidade da gente achar algum…
DR – Eu te perguntei do assunto Copel porque está em andamento. Hoje à tarde tem uma reunião aqui, está tendo uma negociação com a Copel que está em andamento. Pra fechar, talvez, no final de março. Uma possibilidade grande de fechar. Um negócio pra R$ 500 milhões mais ou menos. São seis térmicas dentro do complexo Aratu que a Copel está negociando. Isso aí, pelo que a gente conhece, pode ser até a salvação lá nesse ramo porque o grupo está tendo dificuldades de pôr em pé projetos e está precisando de um parceiro. 49% que a Copel está negociando. Então a gente queria ver em paralelo esses negócios…”
PR – Se eu posso compor as duas coisas….
DR – Sim, se pode compor. Por que você conhece bem a empresa…
PR – É o que eu falei. Primeiro, tenho que levar no grupo. Segundo que hoje eu não posso falar. Não teria a mínima chance. Porque eu estou com a proposta pronta e já falada. Eu tenho uma participação numa negociação com um grupo italiano, onde eu já criei esse compromisso com ele.
DR – Quem são os italianos? São parceiros?
PR – As concessões vão para a Atlantia Bertin. É um grupo que depois que a gente faz todo o processo de ganhar, construir, desenvolver, a gente entrega para o grupo Atlante Alberti, que é uma parceira do grupo Bertin. E daí eu não tenho mais ação em cima. Eu só tenho para entrar. Porque eu sou suportado financeiramente por eles, pelo grupo Atlantia. Eu dou meu preço, acerto as condições e até o final, no caso aqui do Paraná, até o final do quinto ano a responsabilidade era toda minha, com todo o projeto de obra, de execução, com toda a construção. Isso tem um termo assinado, um documento assinado entre nós. Mas, eu estou entendendo que existe uma parte do grupo, que eu falei, eu não tenho nenhum acesso, é independente a decisão e a tomada de decisão. Pela Contern eu posso tomar uma decisão, mas eu não posso tomar uma decisão quando coloca uma posição como essa daí.
DR – Um braço
PR – Um braço que aí eu tenho que ir para o conselho e uma série de coisas falar com os irmãos. Existe uma possibilidade de a gente conseguir uma postergação nesse prazo de entrega ou isso é inviável? Por que, se for, eu já antecipo que…
DR – Sinto dizer é que se a gente não tiver entendimento aí…
PR – Eu não tenho como te dar esse entendimento. Até eu sair daqui negociar e voltar, eu estou com o carnaval marcado. Estou calendário com carnaval marcado no meio. Eu tenho que falar tudo isso pra eles e aproveitar essa minha ida pra Europa e talvez desarticular algumas estruturas e ir lá fazer uma conversa. Então, esse prazo, eu não tenho como… eu tenho assinado, eu tenho multas, uma série de coisas… tenho uma série de coisas que é minha como construtora, que é minha responsabilidade, que não tenho como abrir mão. O dono vai me mandar lá, conversar, desfazer, tentar convencer essa estruturação.
DR – E a participação como cobertura?
PR – Eu não vejo problema. Primeiro eu tenho que acertar, que ver lá. Mesmo que tenha uma parte que seja aqui na Copel, como a gente está falando, qual seria uma contrapartida para a construtora? Porque, assim, eu estava resolvendo lá e eu tenho uma estrutura de 800/900 equipamento próprios, prontos para trabalhar, com uma equipe de quase 6 mil homens. E estava usando exatamente isso como uma força grande na projeção de parte do meu custo. Tenho que levar para eles… O governador sabe? Estamos tranquilos? Isso é uma posição clara? Não tem problema com relação com a isso? Sendo isso tudo positivo, eu abro uma conversa ainda hoje para poder andar nesse processo. Não vejo problema nenhum em conversar isso daí e te dar uma posição. Mas, primeiro que precisaria, assim, para ter tranquilidade para marcar com o pessoal na Itália, para poder te dar uma posição. Caso contrário, é praticamente… eu tenho uma multa nesse contrato que eu não tenho como me desvincular dela. E o processo é um processo…
DR – Não é tão simples.
PR – Não. E eu estou falando isso tudo porque não existe interesse de guerra. Mas a gente mudou muita coisa dentro do grupo. Dentro da construtora, eu entendo esse processo como ele funciona. Mas hoje eu tenho um problema que não tenho como me desvincular dele, eu preciso de um prazo, de uma posição para saber o processo da Copel, até onde eu teoricamente preciso ter esse respeito, respeitar… Já entendi, é um recado. Agora, eu preciso desse tempo. Sem esse tempo, eu não tenho como.
DR – Aí a gente teria o quê? Pós carnaval?
PR – Ah, pelo menos uns quarto ou cinco dias depois do carnaval.
DR – Lá por 10 ou 12? Quarta-feira, dia 12 de março?
PR – Alguma coisa até o dia 15 de março. Eu preciso desse tempo. Eu tenho que sair daqui já ligando e agendar essa ida lá.
DR – Você tem condição de conversar com alguma pessoa agora saindo daqui do negócio da Odebrecht?
PR – Sem problema. Deixa eu explicar. Eu preferia nesse momento… Eu não quero atender a Odebrechet, eu quero atender públicas, é diferente. Eu tenho uma história com a Odebrecht que eu passei muita dificuldade com ela na execução do rodoanel sul, uma série de coisas, tem um desgaste assim violento. Não é por isso que… Mas um pedido é… Eu sei que existe um histórico aqui que eu sou contra, eu sairia daqui já sentaria rapidamente sem problema nenhum. Mas primeiro eu preciso resolver esse pedido. Eu preciso voltar, resolver isso e falar, porque pode ser que eu tenha uma posição diferente. Já marcar a reunião com o italiano e sair daqui com a certeza de que eu posso marcar essa reunião sem problema nenhum. Por que ai eu vou pedir para… A proposta está pronta. Eu não estou aqui de conversa. Eu não tenho essa característica, tudo que a gente fez surpreendeu o mercado, com 63% de desconto no Rodoanel. Mas eu também não sou bobo. A gente precisa criar esse tipo de coisa para ter a relação. Mas sendo um pedido aqui, eu prefiro que esse pedido seja daqui e não eu ficar trocando ficha. Porque, dessa forma eu tenho a segurança que lá na frente eu também….
DR – Vai ter crédito…
PR – Exatamente. Eu passe a ter um crédito. De uma maneira ou de outra. Mesmo que o processo esteja aqui e o outro esteja aqui e oh, resolve aquele lá. Mas eu também fico com credito com ele através daqui, não através dele. Isso não vai somar para gente. Resolvendo tudo aqui, a gente vai lá, sai como se fosse daqui uma determinação. É bem diferente do que oh, tá combinado, foi assim, foi assado. Quanto a briga de longo prazo eu não tenho como.
DR – E internamente você tem como ver… você deve conversar no grupo que tem esse outro assunto.
PR – Não, não… eu voltando já faço isso rapidamente.
DR – Uma coisa facilita a outra.
PR – Mas mesmo assim é como eu estou te falando. O prazo não dá para abrir mão. Mesmo que seja o de acordo, o outro não dá para abrir mão. É delicadíssima a minha multa, está muito em cima. Posso seguir em frente, uma garantia de que a gente tem essa postergação? Porque, tendo essa garantia, eu já começo daqui a ligar, a tentar marcar essas…
DR – Você quer marcar e quer me confirmar?
PR – Você me garantindo que eu tenho prazo eu já saio daqui ligando para a Itália e resolvendo data de encontrar lá. Porque esse é o primeiro ponto. Eu tenho que desfazer o meu contrato com eles. E depois, aí, posso vir aqui, ligo, tem os celulares aí…
DR – Vou fazer o seguinte, em meia hora eu te confirmo todo esse prazo, toda a parte legal.
PR – Se quiser, eu faço uma pergunta, alguma coisa que exista, pra criar uma situação pra facilitar. Ou a própria Odebrecht faz a pergunta e faz a colocação pra frente. Mas seria interessante se tivesse uns 15 ou 20 dias antes, a gente…
DR – Mas desde a segunda-feira passada eu estou ligando.
PR – Se fosse na semana passada, já estava mais tranquilo. (…) Só pra eu me situar, Dentro desse processo na Copel dos R$ 500 milhões. Seria já como se fosse um equilíbrio com o consentimento do… tá certo.
DR – A negociação está em curso na Copel. Quer dizer, as tratativas começaram. E a gente tem a possibilidade de dizer assim: ok, vamos fazer já.
PR – Faz acontecer imediatamente. Porque eu preciso colocar para o outro lado também e ver qual a posição dessa parte do grupo que é a energia. Se você puder só a menina passar um torpedinho “postergado”, “nova data”, alguma coisa nesse sentido
DR – “Novo calendário”?
PR – Aí eu já sei o que é não tem problema nenhum. Eu já marco e falo assim “ok, estou viajando, acabou”. Precisando a menina liga para a Patrícia no meu escritório. Ela avisa e desmarco as agendas que tiverem, eu venho aqui. Não tem problema algum. Sexta-feira estava impossível, estava com governador, data de entrega do Rodoanel.
DR – Mas temos que começar. Maio, no começo de junho, isso aí vai. No máximo meia hora te ligo confirmando a data, a postergação. Espero que a gente possa construir um caminho ai positivo e interessante para os dois lados.