Agronegócio

Crise pode acelerar a redução da pecuária leiteira no Paraná

O fechamento de restaurantes e pizzarias em praticamente todo o Paraná atinge diretamente a pecuária leiteira, especialmente um dos seus derivados, a muçarela. Com a alta do preço dos insumos e a dificuldade em cultivar o pasto devido à estiagem, a queda no consumo agrava a crise no setor, o que pode acelerar a redução da atividade

  Foto: Arnaldo Alves - SECS
Foto: Arnaldo Alves - SECS

Reflexos da pandemia: Consumo cai, preço sobe, mas cenário não é bom para a pecuária leiteira

 

Reportagem: Cláudia Neis 

Marechal Cândido Rondon – A pandemia da covid-19 atinge também a pecuária leiteira. Por conta do fechamento de restaurantes, pizzarias e bares por conta das medidas de combate ao novo coronavírus, houve queda significativa no preço e na demanda da muçarela, um dos principais produtos da cadeia produtiva do leite. Segundo o Conseleite-PR, no período de 26 de março a 24 de abril o derivado teve queda de 2,9% no preço mas perdeu 7 pontos percentuais no mix de comercialização, cedendo participação para produtos como leite spot, em pó e pasteurizado.

Para se ter uma ideia, de todo o leite comercializado pelas empresas, 39,2% foi usado em muçarela, valor que era de 46,5% em março.

Parte dessa fatia de mercado foi ocupada pelo leite spot, que subiu de 3,6% para 7,1% na mesma comparação; o UHT teve aumento de 24,8% para 28,8%, o leite em pó de 6,8% para 8,4% e o pasteurizado de 2% para 2,2%.

Além das mudanças no mix, o Conseleite registrou redução nas vendas de leite e derivados. A queda no volume comercializado pelas indústrias foi de 16,2% em abril comparado com março no Paraná. “Além de os estabelecimentos estarem fechados, é um momento de muita incerteza diante da pandemia e de como ela vai evoluir. As pessoas estão passando por um período de redução de renda também, demissões, tudo isso interfere no consumo”, explica o presidente da Comissão Técnica de Bovinocultura de Leite da Faep e da Câmara Setorial de Leite e Derivados do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), Ronei Volpi.

Litro tem alta

A análise do Conseleite revela alta no valor pago pelo litro do leite do produtor. Em março, o valor do litro era em média de R$ 1,33 e, em abril, ficou em R$ 1,39, mas a perspectiva não é boa para o produtor. “Esse aumento foi por conta do aumento do consumo do leite longa vida e também do leite em pó, mas uma baixa deve ser sentida no mês de maio. O consumo deve cair um pouco e vai refletir diretamente no preço”, antecipa Ronei.

Outros problemas

O produtor precisa lidar ainda com outro problema: o custo de produção. “Os insumos, medicamentos e afins, são baseados no valor do dólar, então aumentam bastante e isso já impacta no bolso. Mas o que mais preocupa é a estiagem que vem se estendendo no Estado. A época de plantar a pastagem de inverno é março, mas até agora o produtor não conseguiu semear porque, sem chuva, nada vai nascer. Isso é muito preocupante, porque o investimento em alimentação como ração e grãos é muito alto e o produtor ficará sem alternativa”, alerta Ronei.

Ele afirma ainda que já existem produtores desistindo da atividade, mas prevê que o número deve aumentar. “Quem mais sofre com isso é o pequeno produtor, que acaba não conseguindo sobreviver na atividade. Sem a pandemia, a estimativa era de que em dez anos 30% dos produtores deixassem o setor, por essas questões e também por falta de volume de produção e sucessão familiar na atividade – os filhos dos produtores não demonstram intenção em seguir na atividade. Agora, com esse cenário da covid-19, muitos devem adiantar essa saída”, ressalta o presidente.

A produtora Celi Griep, da Linha Boa Vista, Distrito de Novo Três Passos, em Marechal Cândido Rondon, já enfrenta problemas para alimentar o plantel e não vê futuro no setor. “Está muito difícil! Está tudo muito caro e a seca está prejudicando muito. Eu tive que me desfazer de parte do plantel para pagar dívidas de compra de ração e comprar mais para alimentar as vacas que sobraram. Cheguei a ter 27 cabeças e hoje tenho 13. Além de ser tudo muito caro para comprar, o preço do leite não ajuda e, se baixar ainda mais, fica impossível continuar”, lamenta.
Celi também tem uma área de lavoura, mas, por conta dos custos, tem reavaliado as atividades também: “Precisamos pagar maquinário para plantar, a semente, o adubo e tudo é muito caro. A situação dos pequenos produtores está muito complicada, não dá para pagar para trabalhar”.

Sem demissões em massa

A redução no consumo dos derivados de leite levanta a preocupação de que haja demissões nas indústrias e nas distribuidoras dos produtos. Realidade que Ronei Volpi descarta no momento. “Acredito que não deve haver dispensas em larga escala, uma vez que esperamos uma recuperação do mercado com o relaxamento das medidas de isolamento e a volta das atividades dos estabelecimentos alimentícios. É claro que não como estava no início do ano, mas acreditamos na volta de 60 a 70% do consumo. Com esse retorno, os estoques devem girar e a cadeia continuar funcionando”, afirma Ronei.

Ele ressalta ainda que pode haver demissões pontuais em indústrias menores que têm grandes estoques e pouco capital de giro. “Essas empresas menores que não têm capital de giro podem demitir alguns funcionários, pois, com a redução das vendas, financiar estoque é uma operação complicada, e, às vezes, não há alternativa se não cortar custos”.

Logística

Ronei Volpi alerta para que, seja qual for a situação a ser enfrentada pelo setor de leite nos próximos meses, é preciso manter a tranquilidade e alinhar o setor produtivo de forma transparente: “É mais importante do que nunca tratarmos nossa relação da forma mais honesta possível para enfrentarmos essas dificuldades que vamos ter pela frente. A medida crucial, que é não interromper a captação de leite, está sendo mantida, não temos notícia de interrupção no Brasil. Diferente do que ocorre em outros lugares do mundo”, completou.