Em 17 de setembro passado, a Câmara dos Deputados concluiu uma longa e árdua tarefa, resultado de inúmeros e amplos debates, para alcançar um consenso entre os mais diversos setores representativos da economia e da sociedade, no texto que versa sobre a Nova Lei de Licitações, o PL 1.292/95.
Um dos aspectos mais focados durante os trabalhos de tramitação do projeto se refere à busca de proposições para a melhoria dos processos de implantação de empreendimentos públicos.
O texto aprovado pelo plenário indica que houve consenso quanto à necessidade de aprimoramento da qualidade dos projetos, documentos indispensáveis para a viabilização dos empreendimentos, e que têm sido responsabilizados por grande parte dos insucessos representados pelos milhares de obras públicas paralisadas, pelos empreendimentos entregues com qualidade aquém da desejada ou por preços acima dos contratados ou ainda em prazo muito além dos esperados. Também houve entendimento quanto à necessidade de melhoria da supervisão, da fiscalização e do controle da qualidade das obras, para evitar desvios indesejados, de qualquer ordem, durante a implantação dos empreendimentos.
Como resultado desses entendimentos, diversas medidas foram incorporadas no PL 1.292/95, e uma das que obtiveram maior convergência, refletidas nas inúmeras manifestações de apoio, foi a solução de banir o pregão nas contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual – estudos, projetos, gerenciamento, supervisão, fiscalização e controle tecnológico das obras. Indubitavelmente uma excelente contribuição para reverter o dramático quadro de desvios e desperdícios de recursos públicos e se sustenta por uma lógica bastante simples: é fundamental contratar com base em aspectos técnicos e de qualidade e não simplesmente pelo menor preço.
No entanto, a despeito de todo o trabalho realizado pelos congressistas, o governo federal publicou no dia 20 de setembro de 2019, apenas três dias após a conclusão da tramitação do PL na Câmara, o Decreto 10.024, regulamentando a licitação na modalidade pregão e incluindo a permissão para contratação de serviços “comuns” de engenharia. Destaque para a palavra “comuns” porque o decreto não estipula de forma precisa o que é comum. Esta decisão fica a cargo de cada gestor público que conduz licitações.
Se hoje em dia, enquanto a legislação vigente permite a adoção do pregão apenas para a contratação de serviços comuns, sem mencionar serviços de engenharia, cerca de 50% das licitações para contratação de projetos, supervisão, fiscalização e controle tecnológico das obras são realizadas por pregão. Com o decreto presidencial, a tendência será de um incremento vertiginoso do uso desta modalidade, e o resultado, provavelmente, será o aumento do número de empreendimentos públicos parados, ou com atraso na entrega ou com aditivo de valores.
O decreto contraria a lógica embasada nas opiniões expressas pela quase totalidade das entidades, associações, conselhos e órgãos de classe da Arquitetura e Engenharia.
Empreendimentos de qualidade começam com a correta contratação dos estudos e projetos. A contratação com base no menor preço não permite a avaliação técnica dos licitantes, o seu conhecimento específico sobre o objeto da contratação e a qualidade do produto que será entregue.
A licitação por pregão traz ainda um perverso jogo em que, para vencer o certame, muitos licitantes vão abaixando seus preços de forma irresponsável e acabam sendo contratados por um valor incompatível com o porte e a complexidade do escopo da contratação. Posteriormente, quando não abandonam a contratação, reduzem drasticamente a qualidade do trabalho a ser entregue.
No Pregão, a cada lance, certamente corresponderá uma redução da qualidade do produto que será entregue. A licitação por Pregão possibilita também que aventureiros inescrupulosos vençam o certame através da oferta de preços aviltantes e, posteriormente, remunerados por terceiros, produzam produtos de acordo com a encomenda do seu patrocinador, em detrimento do interesse da coletividade.
A contratação de serviços técnicos especializados de arquitetura e engenharia com base apenas no preço traz alto risco para a qualidade do empreendimento, comprometendo a segurança e a execução do objeto contratado.
Pregão é a modalidade perfeita para contratação de arquitetura e engenharia de má qualidade e pelo menor preço. Dessa forma, nunca conseguiremos reduzir a enorme demanda por infraestrutura e equipamentos públicos existente em nosso país.
Carlos Mingione é engenheiro e presidente do Sinaenco (Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva)