POLÍTICA

Tagliaferro denuncia "Fraude Processual" de Alexandre Moraes em audiência no Senado

Foto: Saulo Cruz/Agência Senado
Foto: Saulo Cruz/Agência Senado

Brasília - O ex-assessor do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Eduardo Tagliaferro, participou, de forma remota da Itália, de uma audiência na Comissão de Segurança Pública do Senado ontem (2), onde fez denúncias contundentes de suposta fraude processual e perseguição política por parte do ministro Alexandre de Moraes. Tagliaferro, como tem feito há várias semanas, reafirmou que Moraes, enquanto presidia o TSE, teria determinado operações de busca e apreensão contra empresários de direita com base em uma mera reportagem jornalística, forjando a fundamentação legal posteriormente e com data retroativa.

Segundo Tagliaferro, a operação contra oito empresários, realizada em 23 de agosto de 2022, teria sido ordenada por Moraes após a publicação de uma reportagem do portal Metrópoles, de 17 de agosto de 2022, que noticiava supostas conversas de WhatsApp entre os empresários. O ex-assessor relatou que Moraes teria determinado a ação sem a devida apuração da veracidade do conteúdo e, três dias depois da execução da busca e apreensão, solicitou a elaboração de um relatório para justificar a decisão já tomada, com data retroativa.

Ele exibiu aos senadores documentos, planilhas e mensagens que, segundo ele, comprovam a “construção de narrativa para justificar atos de Moraes contra pessoas de direita”; os senadores solicitaram o envio desse material. Tagliaferro ainda mencionou ter escondido seu notebook com as provas e chegou a dormir no carro com medo de perseguição.

Os empresários visados na operação eram apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, e suas mensagens, que expressavam receio com a volta do PT ao poder e criticavam o STF, foram interpretadas por Moraes como defesa de um golpe de Estado.

Reações e Implicações

As revelações de Tagliaferro provocaram reações inflamadas na comissão. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) defendeu a suspensão imediata do julgamento da suposta tentativa de golpe de Estado em andamento no STF, afirmando que as provas estariam “contaminadas” e que “qualquer estudante de direito sabe que tem que interromper aquele julgamento hoje (iniciado ontem, 2)”. Damares chegou a sugerir que havia “motivos suficientes para justificar o impeachment de Alexandre de Moraes” e pediu ao presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que tomasse providências.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que presidiu a audiência e convocou Tagliaferro, classificou o ex-assessor como um “dos maiores símbolos da nação, de demonstração de como um denunciante foi transformado em criminoso”. Ele se comprometeu a tomar providências e a solicitar proteção para Tagliaferro na Itália. O senador Magno Malta (PL-ES) foi além, pedindo a prisão e o impeachment de Moraes, a quem chamou de “marginal”, e se ofereceu para defender Tagliaferro.

Outras Acusações

Tagliaferro explicou que sua motivação para as denúncias surgiu da percepção de irregularidades na AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação) do TSE em 2022, onde notou um “trabalho tendencioso” de perseguição à direita e promoção da esquerda. Ele afirmou que “só entravam no gabinete coisas para criminalizar a direita”.

Ele também detalhou a atuação do TSE após os eventos de 8 de janeiro de 2023, quando uma decisão do ministro teria ordenado pesquisas sobre indivíduos a partir de listas da Polícia Civil e Federal. Os critérios para essas buscas incluíam a cor da roupa (verde e amarelo), curtidas em sites de direita ou compartilhamento de falas de políticos de direita. Qualquer “indício de preferência política de direita” era motivo para emissão de uma “certidão positiva” em audiências de custódia, com o objetivo de manter a pessoa presa.

Tagliaferro ainda afirmou que servidores de carreira eram ameaçados de exoneração caso não cumprissem as ordens e que Moraes tem a aspiração de se tornar presidente da República.

Tagliaferro “refugiado” na Itália

Atualmente exilado na Itália, Eduardo Tagliaferro nega ter vazado as conversas que deram origem ao caso conhecido como “Vaza Toga” e se declara vítima de perseguição política. No entanto, a Polícia Federal (PF) o indiciou em abril de 2025 por violação de sigilo funcional, e a Procuradoria-Geral da República (PGR) o denunciou em agosto de 2025 por crimes como violação de sigilo funcional, obstrução de investigação de organização criminosa, coação no curso do processo e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. As acusações da PGR podem resultar em penas de até 22 anos de prisão. A pedido de Alexandre de Moraes, o Ministério da Justiça solicitou a extradição de Tagliaferro da Itália para o Brasil.

Diante da situação, Tagliaferro expressou a intenção de permanecer no exterior e anunciou que prepara uma denúncia contra Alexandre de Moraes no Parlamento Europeu, buscando “trazer ao povo brasileiro a verdade sobre o que aconteceu nas eleições de 2022” e alertar sobre os riscos para as eleições de 2026.

Especialistas alertam para precedente perigoso revelado pela “Vaza Toga”

Os alvos dessas operações eram frequentemente cidadãos comuns sem foro privilegiado, “bolsonaristas” e “figuras públicas da direita”. A “Vaza Toga” expõe uma “perseguição judicial” que, segundo especialistas, cria um precedente perigoso no ordenamento jurídico brasileiro, esvaziando garantias básicas como o contraditório, a presunção de inocência e a exigência de provas concretas para medidas excepcionais.

O advogado constitucionalista André Marsiglia afirmou que o órgão responsável pelo julgamento não pode ser o mesmo que produz as provas. “Isso representa uma usurpação inconstitucional das funções do Ministério Público — uma ocorrência típica de regimes autoritários, onde a lei é usada como arma de vingança”.

Guilherme Barcelos, advogado e doutor em Direito Constitucional, criticou a base das decisões, afirmando que “a decisão se baseia em um inquérito com alicerces frágeis e vagos, que nem sequer individualiza condutas atribuídas a Bolsonaro”. Ele alerta para a “pescaria probatória”, condenada no sistema jurídico: “A investigação não pode ser algo abstrato, vago. Toda investigação precisa ter objeto certo e definido, com data, hora, descrição e circunstâncias. Do contrário, temos uma cadeia de vaguezas”.

O advogado constitucionalista Richard Campanari ressaltou que “o TSE foi utilizado de forma ilegal para perseguir críticos aos tribunais superiores e às eleições”. Ele acrescentou que “o que deveria ser um órgão técnico e neutro, focado em preservar a integridade do processo eleitoral, foi transformado em um mecanismo informal de repressão política”. Campanari ainda especificou que “o poder de polícia do Tribunal Superior Eleitoral é limitado à forma e ao meio de divulgação da propaganda eleitoral — nunca ao conteúdo da expressão política e, certamente, não fora do período eleitoral”.

Alerta

Vera Chemim questionou o “equilíbrio emocional de Moraes”: “Temos aí um magistrado aparentando um desequilíbrio emocional muito grande, agindo com o fígado, impondo sanções como acha necessário. Isso é um descontrole fora do normal”.

Ives Gandra da Silva Martins, especialista em direito constitucional, manifestou-se contra a postura “neoconstitucionalista” de Moraes, afirmando que o ministro e sua força-tarefa atuaram como “uma espécie de guardiã do que pode ou não ser dito na democracia brasileira”, o que ele considera “jamais permitido pela Constituição”.

O Partido Novo chegou a apresentar uma notícia-crime e uma denúncia ao CNJ contra Moraes e seus auxiliares, alegando formação de quadrilha e falsidade ideológica, embora os pedidos tenham sido arquivados.

Irregularidades Processuais

O criminalista Berlinque Cantelmo destacou o “escalonamento disfarçado” para contornar a falta de base jurídica para a prisão preventiva, afirmando que “a prisão domiciliar já vinha ocorrendo na prática, com recolhimento noturno e proibição de saídas aos fins de semana”. Ele também criticou a ausência de audiência de justificação, pois “qualquer agravamento deveria ser precedido de audiência onde Bolsonaro pudesse apresentar esclarecimentos. Isso não ocorreu”. Cantelmo concluiu que “não é porque se trata de Bolsonaro que se pode relativizar os princípios do Estado de Direito”.