Foto: Assessoria/CMC
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Cascavel - A sessão da CPI da Câmara de Cascavel que marcou a leitura do relatório conclusivo transcendeu o rito político habitual. Por quase seis horas, o relator Hudson Moreschi (Podemos) apresentou um documento denso e repleto de detalhes, cuja extensão e complexidade evocaram um voto longo de “ministro do STF”. A comparação não é gratuita: assim como decisões históricas da Corte, o relatório tratou de temas sensíveis, expôs falhas estruturais e apontou responsabilidades administrativas envolvendo a rede municipal de educação.

A CPI foi instaurada em junho de 2025 para apurar possíveis irregularidades na condução de um PAD (Processo Administrativo Disciplinar) envolvendo violência sexual contra crianças em Cmeis e escolas municipais de Cascavel entre 2019 e 2024. Durante os trabalhos, a comissão ouviu 43 testemunhas e analisou diversos processos. O relatório final teve 123 páginas, lidas integralmente por Moreschi.

O documento segue uma estrutura própria: primeiro explica as competências e limites da CPI; reconstrói uma linha do tempo desde 2019; agrupa as oitivas em três blocos (mães, profissionais da educação e gestores); realiza análises documentais; aponta acertos, falhas e entraves administrativos; e, por fim, apresenta recomendações punitivas e recomendações sistêmicas.

Conclusões centrais

De acordo com o relatório final, houve falhas graves na rede de proteção à criança, na gestão administrativa da Educação e no funcionamento da Controladoria-Geral. O documento conclui que o processo administrativo ficou paralisado por mais de três anos, com 20 prorrogações seguidas, sem realização de diligências substanciais durante a presidência da servidora Cátia Simone Wermuth.

Além disso, servidores e diretores de unidades escolares deixaram de adotar medidas adequadas diante de queixas de famílias. O agente acusado de abusar de crianças, posteriormente condenado, continuou atuando diretamente com alunos entre 2022 e 2024, apesar das denúncias — situação descrita como “gravíssima” pela CPI.

A partir dessas constatações, a comissão apontou responsabilidades administrativas e apresentou recomendações punitivas individuais.

Recomendações punitivas

O relatório também traz “recomendações punitivas” aos agentes públicos envolvidos. Segundo o documento, os servidores podem responder por culpa grave, caracterizada por negligência, imprudência ou imperícia. Entretanto, a relatoria destaca que, em alguns casos, não houve elementos suficientes para configurar dolo — requisito exigido pela lei para imputação de improbidade. Ainda assim, aponta servidores cuja atuação, por omissão ou condução inadequada, pode ensejar responsabilização administrativa futura.

O relatório pede a abertura de PAD contra Cátia Simone Wermuth, presidente do primeiro processo administrativo. Os vereadores apontam inobservância do dever de eficiência pela paralisia injustificada do PAD, devendo ser avaliado se isso a torna incompatível com a permanência no serviço público.

Indicam ainda a instauração de PAD contra Cletírio Ferreira Feistler, então Controlador-Geral do Município, para apurar possíveis faltas funcionais por omissão reiterada na fiscalização, pela ausência de medidas para garantir celeridade e eficiência do PAD, pela designação temerária de pessoal sem qualificação necessária e pela incapacidade de resolver problemas estruturais sob sua gestão — fatores que, segundo a CPI, causaram grave prejuízo ao serviço público.

Na Educação

Em relação à secretária de Educação, Márcia Baldini, o relatório sugere que ela se aproprie dos fluxos relacionados à violação de direitos e assegure seu cumprimento; recomenda ainda que a Secretaria de Educação implante protocolos escritos de comunicação, acompanhamento e fiscalização de servidores sob restrição funcional. Embora a CPI não identifique indícios suficientes de conduta omissiva, negligente ou ilícita por parte da secretária, recomenda abertura de PAD para apurar eventual falha da gestão no controle do agente acusado, bem como possível falha de comunicação entre servidores e escolas que deveriam ter conhecimento das restrições impostas. A CPI também pede que seja investigada sua conduta diante de alegações feitas por familiares e servidores sobre possível obstrução de justiça, coação de testemunhas, tentativa de falsificação de documentos e perseguição.

Paranhos

O ex-prefeito de Cascavel Leonaldo Paranhos também é mencionado nas recomendações. Embora não haja imputação de dolo, a CPI aponta que as prorrogações dos processos chegavam à sua mesa em lotes de dezenas de documentos, assinados previamente por Feistler, sem que o prefeito tivesse acesso ao teor dos casos devido ao sigilo imposto pela Controladoria. Testemunhas afirmaram que Paranhos nunca foi alertado sobre a gravidade do caso e assinava para evitar a paralisação dos PADs.

Processos recomendados

  • Maxsoel Schmidt, então Assessor Técnico no Gabinete da Semed, por não assegurar que as restrições ao agente fossem formalizadas por escrito na transferência e por não notificar o Conselho Tutelar.
  • Patrícia Gonçalves da Silva, então diretora do Cmei Irmã Iolanda Guzman Bazan, para apurar possíveis faltas funcionais por negligência e omissão reiteradas.
  • Rosane Aparecida Brandalise Correa, diretora do Departamento Pedagógico da Semed, por suposta negligência no exercício do cargo e falha na fiscalização.
  • Francisca Rojo de Carvalho, diretora do Departamento Administrativo da Semed, por suposta negligência na gestão de pessoal e omissão no dever de assegurar o cumprimento de restrições funcionais impostas ao servidor sob sua competência.