
Brasília - A aprovação do novo marco anticrime na Câmara dos Deputados, por ampla margem de 370 votos a 110, representou não apenas uma derrota expressiva para o governo Lula, mas também o início de uma nova batalha política no Senado — agora agravada pelo descontentamento do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), com a indicação de Jorge Messias para o Supremo Tribunal Federal (STF). O clima ficou ainda mais tenso e desfavorável a Lula no momento em que o Planalto mais precisa de articulação para reverter pontos sensíveis do projeto.
O texto aprovado pelos deputados endurece penas, cria novos tipos penais ligados a facções e milícias consideradas “ultraviolentas”, restringe a progressão de regime e altera a divisão de bens apreendidos, ponto que o governo vê como ameaça ao financiamento da Polícia Federal. Na Câmara, o Planalto tentou barrar trechos incluídos pelo relator, Guilherme Derrite (PP-SP), mas acabou derrotado após duas semanas de debates tensos e seis versões diferentes do relatório.
Investida no Senado
Agora, o governo aposta no Senado para tentar “desidratar” o projeto. A tramitação começará pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), sob relatoria de Alessandro Vieira (MDB-SE), que já sinalizou uma revisão completa, com foco em constitucionalidade e técnica legislativa. A expectativa do Planalto é que, com o Senado funcionando de forma mais técnica, seja possível reverter pontos considerados frágeis ou inconstitucionais.
Mas a estratégia enfrenta um novo obstáculo: Alcolumbre, responsável por definir ritmo, prioridades e negociações internas da Casa, ficou irritado com a nomeação de Jorge Messias para o STF. Segundo aliados, o senador esperava ser consultado e tinha preferência pelo nome de Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O mal-estar cria incerteza sobre a disposição do presidente do Senado em ajudar o governo na revisão do projeto anticrime — exatamente num momento em que o Planalto precisa de margens apertadas e negociações delicadas.
Projeto reescrito
A derrota na Câmara foi impulsionada pelo protagonismo de Derrite, secretário de Segurança Pública de São Paulo licenciado. Ele reescreveu a proposta enviada pelo governo, retirando dispositivos centrais — como infiltração policial e reforço de coordenação da Polícia Federal — e incluindo penas mais duras, novos crimes e conceitos que o Ministério da Justiça considera vagos.
Para Derrite, o texto aprovado fortalece o combate ao crime. Para o governo, porém, abre brechas para nulidades e desorganiza a arquitetura institucional desenhada pela equipe do Ministério da Justiça. Gleisi Hoffmann disse que Derrite apresentou seis versões “atabalhoadas” e que o projeto “está cheio de inconstitucionalidades”.
Comemoração e pressão
Enquanto o Planalto tenta recompor terreno, a oposição comemora o placar na Câmara e pressiona o Senado. Para a direita, a votação representou uma resposta direta ao avanço das facções e um marco simbólico de retomada da autoridade estatal.
“O Brasil não aguenta mais viver refém do crime organizado”, afirmou Ubiratan Sanderson (PL-RS). Rodrigo Valadares (União-SE) disse que o Congresso “respondeu à altura”.
A pressão deve aumentar sobre o Senado, especialmente porque setores da oposição enxergam no desgaste entre o Planalto e Alcolumbre uma oportunidade para acelerar o texto — e evitar que o governo reconstrua partes cruciais da proposta.
Próximos passos
Se aprovado na CCJ por maioria simples, o texto seguirá para o plenário do Senado. Caso seja modificado, retorna à Câmara. Se mantido, vai à sanção presidencial — etapa em que Lula já prometeu analisar vetos.
Com o Congresso dividido, a articulação fragilizada e Alcolumbre irritado, o Planalto enfrenta agora um duplo desafio: reverter a derrota legislativa e reconstruir pontes políticas para evitar um segundo revés ainda mais custoso no Senado.
Senado vira palco decisivo
Com o revés na Câmara e o agravamento da crise política após a indicação de Messias ao STF, a estratégia do governo no Senado deve se apoiar em três pilares: Ganhar tempo na CCJ para construir um novo texto; Costurar apoio entre senadores independentes, tentando driblar a irritação de Alcolumbre; E garantir manutenção do financiamento integral da Polícia Federal, ponto considerado inegociável.
Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, assumirá a linha de frente na articulação. Mas parlamentares avaliam que o cenário ficou mais imprevisível. “Sem Alcolumbre por perto, nada anda”, disse um senador aliado.