Entenda as implicações do veto do governo federal ao Projeto de Lei da Dosimetria em Brasília e suas consequências sociais - Foto: Ricardo Stuckert/ SEAUD
Entenda as implicações do veto do governo federal ao Projeto de Lei da Dosimetria em Brasília e suas consequências sociais - Foto: Ricardo Stuckert/ SEAUD

Brasília - Apesar da aprovação, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Lei da Dosimetria, que reduz critérios de punição para parte dos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, o governo federal decidiu ignorar o alcance humanitário da proposta. Com o anúncio de que o presidente Lula vetará integralmente o texto, centenas de réus — inclusive aqueles sem papel de liderança nos ataques — deverão passar o Natal e o Ano-Novo atrás das grades, cenário que tem sido interpretado por críticos como um gesto de insensibilidade política e social.

A sinalização do veto foi confirmada ontem (22) pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). Segundo ele, Lula deve assinar a decisão até o dia 8 de janeiro de 2026, data que marca o terceiro aniversário da invasão às sedes dos Três Poderes, episódio classificado pelo Planalto como um atentado à democracia. O veto, segundo Wagner, será transformado em um “ato político”, com cerimônia oficial e participação de ministros e autoridades do Legislativo.

“Dia 8 de janeiro o presidente vai fazer um ato para que não se deixe passar a lembrança daquele dia triste. Não sei exatamente quando ele vai assinar o veto, mas será daqui até o dia 8”, declarou o senador. A posição já havia sido antecipada pelo próprio presidente na semana passada, ao afirmar que vetaria o projeto “na hora em que chegasse à mesa”.

O PL da Dosimetria foi aprovado após intensas negociações no Congresso e sofreu ajustes para restringir seus efeitos aos condenados sem função de comando ou financiamento dos atos. A proposta buscava diferenciar os participantes considerados de menor envolvimento — chamados nos debates de “soldados” do 8 de janeiro — daqueles que teriam organizado ou financiado as ações. Ainda assim, o governo optou pelo veto total, sob o argumento de que qualquer flexibilização poderia abrir brechas jurídicas e beneficiar lideranças políticas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“VETO NÃO PASSARÁ”

Para parlamentares da oposição e familiares dos condenados, a decisão ignora a situação concreta de dezenas de réus primários, idosos e pessoas com problemas de saúde, que seguem cumprindo penas elevadas enquanto aguardam desfecho judicial. A manutenção das condenações, sem qualquer alívio durante o período de festas, reforça a percepção de que o Planalto prioriza o simbolismo político em detrimento de um gesto de conciliação ou humanidade.

Nos bastidores, líderes oposicionistas já articulam a derrubada do veto presidencial. A avaliação é de que há votos suficientes no Congresso para reverter a decisão do Executivo, transformando o veto em um gesto político de efeito limitado. A estratégia é apresentar o tema como uma questão de proporcionalidade penal e não de revisão histórica dos atos de janeiro de 2023.

CRISE NO GOVERNO

O tema também provocou fissuras internas no próprio governo. Durante entrevista à Rádio Metrópole, Jaques Wagner comentou as críticas que recebeu por ter negociado a votação do projeto no Senado em meio à tramitação de propostas de interesse do Executivo, como a taxação de bets e fintechs. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT-PR), classificou a atuação do senador como “lamentável”.

Wagner reagiu às críticas e negou ter negociado o mérito da proposta. “Se fez uma fake news, um pastel de vento. Não consultei o presidente nem ninguém do governo. Não negociei mérito nenhum”, afirmou, ressaltando que a posição do Planalto sempre foi pelo veto integral.

Mesmo com ato esvaziado em janeiro deste ano, Lula pretende repetir a programação para vetar a Lei da Dosimetria

“Desprezo à pacificação”

A escolha do dia 8 de janeiro como marco para a decisão presidencial reforça o caráter simbólico da medida. Segundo Wagner, Lula já comunicou aos ministros, em reunião recente, que pretende repetir o formato do ato institucional realizado neste ano, convidando inclusive os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

Enquanto o governo organiza a cerimônia e sustenta o discurso de defesa da democracia, familiares e advogados dos condenados apontam que a mensagem transmitida é de endurecimento absoluto. Para eles, ao recusar a aplicação imediata da redução de penas aprovada pelo Parlamento, o Executivo fecha qualquer porta para gestos de pacificação nacional e mantém presos que, mesmo beneficiados pela nova lei, seguirão privados da liberdade durante as festas de fim de ano.