
Brasília - As negociações em torno do Projeto de Lei Antifacção (PL 5582/25) dominaram outra vez os bastidores da Câmara dos Deputados, ontem (12), em meio a uma intensa disputa política entre governo, oposição e governadores. O texto, que cria um marco legal para o combate ao crime organizado, segue sem consenso. Diante do impasse e várias solicitações, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), acatou pedido do relator Guilherme Derrite (PP-SP), cancelou a votação de ontem e determinou votação em pauta única para a próxima terça-feira (18).
O adiamento da votação reflete a complexidade da pauta e o acúmulo de divergências sobre o alcance e os efeitos do projeto. Governadores e líderes da oposição, o governo federal e o próprio relator, apresentaram posições distintas sobre pontos-chave do texto.
Governadores
Durante a tarde, Motta recebeu um grupo de governadores que integram o chamado “consórcio da paz”, formado por líderes estaduais de partidos de oposição ao governo. O grupo, composto por Cláudio Castro (PL-RJ), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), Romeu Zema (Novo-MG), Jorginho Mello (PL-SC), Eduardo Riedel (PP-MS) e pela vice-governadora Celina Leão (PP-DF), pediu que a Câmara adie a votação por 30 dias, alegando a necessidade de ampliar o debate com o Judiciário, o Ministério Público e especialistas em segurança pública.
“Queremos uma lei que vá ao encontro do que o país precisa, e isso exige ouvir quem está na ponta — juízes, promotores e secretários de segurança”, afirmou Cláudio Castro, governador do Rio de Janeiro. O catarinense Jorginho Mello defendeu um debate “sem paixões políticas”, enquanto Caiado reforçou que o tema “não é de campanha eleitoral, mas de governabilidade”.
Motta respondeu publicamente que respeitará a posição do relator e o colégio de líderes antes de definir a agenda da votação. “Desde que fui eleito presidente da Câmara, a porta do meu gabinete está sempre aberta para debater os assuntos de interesse do Brasil. Diálogo e conciliação fazem o país avançar com equilíbrio, e nessa pauta não será diferente”, afirmou nas redes sociais.
Recuos e versões
O projeto, de autoria do governo federal, passou por uma série de revisões desde que Derrite assumiu a relatoria. O primeiro parecer, que equiparava organizações criminosas a grupos terroristas, gerou forte reação de setores do Executivo, do Ministério Público e da Polícia Federal. Críticos alegaram que a equiparação poderia abrir brechas jurídicas e colocar em risco a autonomia da PF, além de comprometer a soberania nacional.
Após as críticas, o relator apresentou sucessivas versões do texto. A terceira versão, divulgada na terça-feira (11), retirou as referências à Lei Antiterrorismo e suprimiu trechos que transferiam competências da Polícia Federal para secretarias estaduais de segurança. As mudanças atenderam a parte das demandas do governo, mas desagradaram a ala mais à direita da Câmara, que defendia uma redação mais rígida contra o crime organizado.
Na noite de quarta-feira, Derrite apresentou uma quarta versão do relatório, elaborada após reuniões com líderes partidários e representantes do governo. O novo texto inclui um artigo que destina os bens apreendidos em operações criminais ao Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal (Funapol) — uma demanda antiga da corporação. Também prevê aumento de pena para crimes cometidos com uso de drones, equipamentos de contrainteligência e tecnologias de georreferenciamento.
As mudanças foram vistas como uma tentativa de reaproximação com o governo, após uma sequência de tensões entre o relator e o Ministério da Justiça. No mesmo dia, Derrite se reuniu com o secretário-executivo da pasta, Manoel Carlos de Almeida Neto, número dois do ministro Ricardo Lewandowski, que defendeu a criação do tipo penal “facção criminosa”, proposta originalmente pelo Planalto e que pode voltar ao texto final.
Pressões cruzadas
As discussões em torno do PL Antifacção se tornaram um dos principais testes da gestão de Hugo Motta à frente da Câmara. O presidente tenta equilibrar as pressões da base governista — que quer evitar o que chama de “criminalização ampla” — com as demandas da oposição e dos governadores, que defendem um texto mais severo contra o crime organizado.
O impasse também reflete a disputa por protagonismo na agenda de segurança pública. Enquanto o governo busca preservar a autonomia da Polícia Federal e evitar interpretações políticas do projeto, os governadores cobram medidas mais duras e imediatas para conter o avanço das facções nos estados.