É muito provável que, na busca de uma simbologia para o amor, viesse à mente um coração (que, por sinal, pouco lembra o órgão em si). Os apaixonados encaixam seu sentimento nessa forma pré-definida de expressão do amor, assim como as famílias constantemente buscaram o encaixe no padrão ideal de amor. Não é que ele seja ruim, mas não é realizável a todos e, portanto, leva à frustração.
Seria mais sensato definir o amor como multiforme, ou seja, com múltiplas possibilidades de forma que o definam. Especialmente na concepção contemporânea de família, com ênfase à autonomia privada e à felicidade dos membros familiares, ainda que fugaz. Não se entende justo o modelo fechado de família que não alberga famílias atípicas. Estas dependem de reconhecimento jurídico para garantia de direitos, suprimidos pela definição moral supostamente hegemônica de amor.
Com isso, as fronteiras da definição de família devem se tornar fluidas, abrindo espaços para novos formatos. Isso se torna evidente no reconhecimento de “trisal” e pluriparentalidade, por exemplo. O “trisal” é uma nomenclatura para definir um casal formado por três pessoas. Diferente do triângulo amoroso típico de novela, existe, nessa situação, a concordância das três pessoas nessa forma de relacionamento, de modo que, em tese, não há infidelidade nem famílias paralelas, desde que o relacionamento seja contínuo e público.
Para seu reconhecimento, o Conselho Nacional de Justiça havia vedado o registro em 2018, porém, decisão judicial possibilitou sua formação mediante união estável, sendo vedado ao casamento, diante do crime de bigamia. Mas, a configuração do trisal não é crime, apenas não encontra regulamentação específica, deixando em aberto os direitos dessa forma de família. Com essa decisão judicial recente, é possível que passe a ser regulamentado em lei muito em breve, apesar dos paradigmas que rompe.
Quanto à pluriparentalidade, esta está relacionada à possibilidade de mais de um pai ou uma mãe no registro de nascimento, garantindo o poder familiar à três ou mais pessoas. Reconhece-se, simultaneamente, pa(ma)ternidades biológicas e socioafetivas, em virtude do melhor interesse do filho. Isso porque o amor não decorre diretamente do sangue, mas do vínculo que pode ser tecido com qualquer pessoa. Um vínculo, portanto, não exclui o outro, pelo contrário, são agregados.
Ambos os genitores serão responsáveis, em igualdade de condições, sendo que o reconhecimento da filiação importará inúmeros efeitos, sejam eles afetivos, sejam patrimoniais e sucessórios. É possível que este reconhecimento seja posterior à morte de qualquer das partes, mas é salutar que seja estabelecida o quanto antes, para a regular produção de efeitos, como o direito de inclusão de sobrenome de todos, em respeito ao direito de identidade, bem como de pagamento de alimentos, com o rompimento do casamento ou união estável.
O amor não encontra uma forma específica, nem mesmo os poetas chegaram a um consenso sobre este nobre sentimento, exceto quanto ao sofrimento pela sua ausência. Quando em excesso, não traz traumas, nem gera pessoas problemáticas, como o senso comum por vezes traz à baila, porém sua falta atormenta a alma para além da vida.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas