Em uma breve análise sobre a construção social de gênero, é possível perceber que a definição das funções femininas e masculinas dentro do ambiente familiar não se liga meramente a aspectos biológicos, mas, sobremaneira, às questões de poder. Historicamente, a relação familiar era visivelmente distante das relações públicas; naquela, a relação era de hierarquia e de mando e obediência, ao passo que nestas, pregava-se (mesmo que não se aplicasse efetivamente na prática) as relações baseadas na igualdade.
Afinal de contas, não havia isonomia de gênero e às mulheres não se estendiam os mesmos direitos que aos homens. Mulher era alimento. Desde o papel de nutrição dos filhos, antes mesmo de seu nascimento, sendo responsável pela manutenção das necessidades biológicas da família, chegando a ser alimento espiritual: devendo ser o cerne do afeto familiar. Não cabia a elas, portanto, o gerenciamento financeiro. Os negócios eram papel masculino, até porque, aquelas não tinham sequer capacidade jurídica para a realização de negócios até bem pouco tempo.
Visto que as mulheres não eram detentoras de direito civil sobre posse ou propriedade, assim como também não podiam realizar transações financeiras (quem fazia eram seus tutores), não havia necessidade de terem bolsos. Não é uma questão de padrão de beleza, mas de poder econômico, do qual as mulheres estavam despojadas. Com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, no período entre guerras, as mulheres passam a usar calças, especialmente jeans (de origem fabril), mas geralmente os bolsos permanecem falsos. No inconsciente coletivo remanesce o ideal de que mulher não sabe lidar com dinheiro.
Isso quando não são retirados os bolsos para emagrecer a silhueta feminina. Mulher testando cada nova dieta, como jejum intermitente, fortemente incentivado para que aquela esteja fraca o suficiente para se rebelar contra patriarcado. Os bolsos eram só volume desnecessário na silhueta perfeita e inatingível da boneca mais famosa do mundo.
Os homens, em contrapartida, têm incontáveis bolsos em suas vestes, pois são eles os chefes de família e dirigentes dos negócios familiares. Por esse motivo, as pensões às crianças (que no mais das vezes sequer cobrem mínima parte dos gastos) são tratadas como esbanjamento de dinheiro e gastas, supostamente, com luxúrias. Mulheres também são alijadas do conhecimento sobre a situação financeira da família e, em alguns casos, inclusive de forma fraudulenta, dos direitos hereditários sobre os bens e as finanças.
Diriam alguns, mas elas têm bolsas e ainda maiores, não é? Porém sua origem não está na segurança dos cheques, nota promissória ou até mesmo ouro, mas sim no suporte para os mantimentos e até mesmo para o transporte dos “badulaques” das crianças. Serventias subalternas demais para os homens, que raramente carregam alguma bolsa. Enquanto eles afundam as mãos nos bolsos, em sinal de descaso, a luta sempre foi por igualdade. Para que as mulheres tenham o direito de serem o que quiserem, como os homens, e não sejam violadas enquanto tentam sobreviver.
Dra. Giovanna Back Franco
Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas