Opinião

Coluna Direito da Família: Filhos além-vida

O luto é um processo relacionado ao perdimento de alguém querido, que deixa uma lacuna em relação ao ausente. É um processo doloroso e lento, em que é possível presenciar a perda inclusive da vontade de amar. Porém, é nesse processo, de conexão com o íntimo, que o resgate da esperança pode ocorrer na ressignificação da vida.

O novo significado da vida pode estar na (re)descoberta de um amor, ainda que seja o próprio, mas também na geração de nova vida. A legislação pátria permite a realização de métodos de reprodução assistida com material genético do falecido, desde que este tenha expressamente consentido em vida.

Isso decorre do fato de que a paternidade, ainda que seja post mortem, produz inúmeros efeitos jurídicos, quanto ao patrimônio e à dignidade. Ser pai ou mãe traz consequências jurídicas mesmo para o falecido, com relação a nome, herança e alimentos, por exemplo. O reconhecimento da paternidade ocorre, portanto, no momento da manifestação do consentimento da manipulação do material genético.

Assim, para a realização de qualquer procedimento com o material genético do falecido para a geração de nova vida é imperioso o consentimento expresso em termo de consentimento bem estruturado. Não há obrigatoriedade de forma especial, como testamento ou escritura pública, mas a exigência de manifestação expressa, da qual não haja dúvidas da intenção em vida.

Essa técnica médica, portanto, só é permitida se respeitado o direito fundamental à autonomia reprodutiva, que diz respeito à decisão de ter filhos e sobre o número de filhos, livre de discriminação e violência. Certamente, do outro lado da moeda da autonomia está a responsabilidade, ou melhor, a paternidade responsável. Compreender e assumir, portanto, os efeitos decorrentes do ato jurídico de reconhecimento de paternidade.

Não há limitação quanto à sexualidade ou à situação conjugal para realização destes métodos, pois estes não devem ser limitadores ao direito fundamental de autonomia reprodutiva. Dessa forma, não há impedimento para que casais homossexuais e pessoas solteiras ou em união estável realizem procedimentos de reprodução assistida. O que limita esse procedimento post mortem, por entendimento dos tribunais, é a certeza quanto à intenção manifesta em vida, a fim de que sejam respeitados os direitos do falecido.

Os requisitos para a realização do termo de consentimento são definidos por Resolução do Conselho Federal de Medicina (e não lei ordinária, criada pelo Congresso Nacional), que exige a Esta forma de reprodução é permitida no Brasil, porém não pode haver contraprestação pecuniária, ou seja, não existe efetivamente um “aluguel”, de modo que a cessão temporária deve ser gratuita. O que não impede, porém, que haja auxílio com os gastos gestacionais, a título de alimentos gravídicos. Não se autoriza o lucro, mas se permite o pagamento ordinário das despesas.

Legislações sobre os temas de reprodução assistida, em qualquer modalidade, ainda sofrem entraves para sua aprovação final, especialmente no que tange às questões de moralidade que se aplicam a esses procedimentos. O aspecto da natalidade e o bem jurídico “vida” sofrem questionamentos no senso comum, que freiam concepções não só sobre o aborto, mas também sobre aspectos tecnológicos de reprodução humana.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas