OPINIÃO

Coluna Direito da Família: Algoritmos, afetos e direitos

Cascavel - As questões técnicas e tecnológicas não se restringem mais à palma da mão. Sob o pretexto de conectividade, direitos não só como a liberdade são desconectados. O admirável mundo digital subjuga pela distração, como previra Aldous Huxley, em sua obra “Admirável mundo novo”, enquanto retém dados sobre os usuários, de modo que aspectos privados são transformados em moeda de troca.

As redes sociais são poderosos instrumentos de manipulação da verdade, na medida em que realizam controle sutil sobre os usuários através de entretenimento e distração. Tal apurada ferramenta permite a amplificação de movimentos polarizadores e remodelagem dos limites dos direitos individuais. O peso silencioso deste poder tecnológico ficou evidente com a tomada de posse do presidente de uma grande potência global: líderes das gigantes tecnológicas (Big Techs) permeavam os convidados, não só como observadores, mas enquanto participantes de um jogo de poder que influencia diretamente a opinião pública bem como a extensão de direitos individuais.

Para além da expressa caracterização distópica na posse de Donald Trump – remetendo a aspectos da obra “O conto de Aia” de Margaret Atwood (como a divisão das mulheres por função e a limitação feminina à visão), sucedeu-se a imediata supressão de alguns direitos de minorias, sustentados pelos discursos tradicionais que depreciam o que chamam de cultura “woke” – relacionado ao combate à discriminação e injustiças, especialmente raciais e de gênero. Não à toa, imigrantes foram impactados com decreto que pôs fim à cidadania pelo nascimento, bem como mulheres e homossexuais foram atingidos com o término de políticas de diversidade, equidade e inclusão.

Nessa mesma toada, em terras tupiniquins, o Conselho Nacional de Justiça recentemente divulgou resolução que, com o fim aparente de regulamentação técnica (sem qualquer discussão ética), viola regras processuais, como a paridade de tratamento entre as partes, o contraditório participativo e a vedação a decisões surpresa. A referida resolução faculta aos desembargadores, em sede de recurso, que a sustentação oral seja realizada de fora assíncrona (ou seja, pode ser exclusivamente gravada, não havendo contato entre os desembargadores e os advogados). A suposta norma autônoma também pode ser instrumento de exclusão e supressão de direitos.

Quem controla o código, controla o comportamento, o que se evidencia não só no âmbito institucional, como também no âmbito privado. Os aplicativos de monitoramento, muitas vezes utilizados por pais separados, podem se tornar instrumentos de vigilância e controle, especialmente quando os algoritmos têm padrões que reforçam estereótipos de gênero e papeis familiares, tornando-se cúmplices de dinâmicas desiguais. Em um mundo cada vez mais moldado por algoritmos, é urgente lembrar que as relações familiares não podem ser tratadas como dados a serem processados; elas exigem o cuidado humano que nenhuma tecnologia é capaz de substituir.

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito