Opinião

Coluna Direito da Família: A verdade liberta?

Platão, em sua dicotomia sobre o ser humano, dava ênfase ao mundo das ideias, pois lá haveria a possibilidade de liberdade, na medida em que fosse possível conhecer a verdade. Em analogia, criou o mito da caverna, ensinando que enquanto o ser humano ignora a verdade, está preso à escuridão. Na medida em que a conhece, alcança à luz e à liberdade. Porém, esse mesmo indivíduo deveria ter cuidado, pois ao tentar mostrar a verdade aos seus iguais, poderia ser desacreditado e punido.

Em similaridade, pode-se dizer que a verdade sobre os abusos intrafamiliares nem sempre leva à liberdade. Isso porque a legislação nacional, em consonância com a teoria sem fundamentos de Richard Gardner (psiquiatra estadunidense do século XX), pôs em vigor a Lei de Alienação Parental. Tal norma visa a punir os genitores que impeçam, em alguma medida, a convivência sadia entre os filhos e os pais/mães.

É preciso entender que Gardner, em seus estudos iniciais, nos quais naturalizava a pedofilia e o abuso sexual, afirmava que as crianças mentiam e fantasiavam sobre as relações com os pais, visto que as relações adulto-criança faziam parte da história ocidental. Posteriormente, com os avanços científicos, descobriu-se que crianças de tenra idade não têm capacidade de fantasiar situações não vivenciadas, pondo por terra a teoria do psiquiatra. Este, então, complementa que as crianças não mentem, mas sofrem lavagens cerebrais das mães insatisfeitas, com o intuito de prejudicar os genitores. Vivencia-se, assim, a síndrome de alienação parental.

Tal síndrome não chegou a ser reconhecida pela comunidade científica, pois não houve sucesso na comprovação empírica. Não passa, portanto, de argumentação teórica. A questão é que, no Brasil, tornou-se lei e tem “brechas” capazes de beneficiar pais abusadores e torturadores e afastar mães que tão somente zelam pelo bem-estar dos menores. Em muitos casos, são criminalizadas aquelas que buscam proteger os filhos. Não podem, portanto, ensinar à verdade sobre as relações familiares, o que inviabiliza a efetividade da proteção integral dos menores, com lastro constitucional.

Não se quer menosprezar a realidade de genitores que realmente inviabilizam o adequado convívio com o outro genitor, mas há que se ponderar, no caso em concreto, a respeito da fragilidade do direito de convivência em face do direito à integridade física e psicológica do menor, vítima de violência. A mera aplicação da pena de inversão de guarda, em alguns casos, foi sentença de morte ao menor.

É certo que o término dos relacionamentos conjugais impacta o cotidiano dos filhos e traz consigo mágoas e dores por todos vividas. Embora as crianças tenham maior possibilidade de sugestionabilidade, não parece crível uma “programação para odiar”. Pais presentes, com responsabilidade afetiva, trarão segurança à criança ou ao adolescente no enfrentamento dessa e de outras etapas da vida.

Crucial se faz, portanto, o relacionamento franco, sem artimanhas e com responsabilidade. Até porque, os laços conjugais não podem interferir nos laços de filiação. A verdade deve garantir a liberdade e a proteção daqueles que são mais vulneráveis dentro da relação.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas