Foz do Iguaçu – Se os 16,8 mil quilômetros de fronteiras no Brasil fossem um país, ele englobaria municípios de 11 estados e teria mais de 10 milhões de habitantes, ou seja, quase 5% da população brasileira. São pessoas que hoje vivem nas chamadas regiões de fronteira, em até 150 quilômetros dos limites transfronteiriços.
Ocorre que a mania dos gestores em não pensar no desenvolvimento integrado dessas regiões fez com que essas áreas ficassem à margem do desenvolvimento, muitas delas em total cenário de abandono.
Esse é um dos resultados obtidos pelo Diagnóstico do Desenvolvimento das Cidades Gêmeas do Brasil que analisou, com base nos indicadores oficiais dos anos de 2015 e 2016, a educação, a saúde, a economia e a segurança pública. O estudo é do Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras) e foi divulgado ontem. Ele avaliou o desempenho direto de 32 Cidades Gêmeas brasileiras. Todas ficam na fronteira, quatro no Paraná: Guaíra e Foz do Iguaçu, no oeste, e Barracão e Santo Antônio do Sudoeste, no sudoeste.
O conceito de Cidades Gêmeas foi criado pelo Ministério da Integração em 2014 para a promoção do desenvolvimento, mas o levantamento aponta que, salvo uma ou outra exceção, as políticas públicas passam longe de serem equânimes e de promoverem a evolução.
Para o economista, especialista em fronteira e mestre em gestão e autor do estudo, Luciano Barros, o levantamento parte da educação. “A educação é a base de tudo, depois vem a saúde, que pode ser desde a alimentação até o saneamento básico que reflete imediatamente na economia, no nível de emprego. A renda está diretamente atrelada ao nível de educação. A segurança pública é o calcanhar de Aquiles de todo esse processo, ela vai mal quando tudo o que foi feito antes deu errado”, considera.
E a cidade que até poucos anos tinha a luz de alerta acesa devido a uma série de fatores agora aparece como a mais pujante dentre as analisadas: é a bela Foz do Iguaçu, que, além de ser a maior cidade gêmea em todo o Brasil, com 254 mil habitantes, conseguiu alcançar indicadores importantes de geração de emprego e renda, saltou qualitativa e quantitativamente no desenvolvimento humano, baixou indicadores de violência e ampliou o acesso à saúde e à educação.
Guaíra também tem seu lugar de destaque na análise, sobretudo quando o assunto é o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). “Os municípios que despontam estão fazendo por conta, têm uma maior condição de mudança das suas realidades. Quando melhora a estrutura de educação, melhora todo o quadro”, destacou.
Na outra ponta, por exemplo, está a agora famosa Pacaraíma, em Roraíma, onde, não por acaso, o efeito cascata atinge de forma preocupante todos os tópicos analisados e estão diretamente associados à imigração. “Bastou a chegada dos venezuelanos que se evidenciou o grande problema da falta de estrutura, o governo pedindo para fechar a fronteira, a superlotação na saúde”, analisa o autor do estudo.
Aparecem ainda na ponta de baixo da tabela cidades como Chuí, no Rio Grande do Sul, onde a economia não se desenvolveu e precisa de um choque de gestão. Ali há uma dependência da economia uruguaia. “Sem esquecer da cidade de Tabatinga, na Amazônia, e Santa Rosa do Purus, no Acre. São cidades completamente esquecidas pelos governos”.
Os tópicos da pesquisa
A educação abre os tópicos da pesquisa. Ela indica, por exemplo, que o índice brasileiro de aprovação de alunos no ensino fundamental, na média dessas cidades, é inferior à média brasileira, que já é baixa. No sentido oposto, a reprovação também é alta, superior à média brasileira.
O estudo revela que a situação se agrava no ensino médio, com taxas elevadas de reprovação e evasão escolar. “Quanto menor a escolaridade, menores as oportunidades de emprego, de renda, de ter conhecimento básico sobre cuidados com a saúde, com as crianças”, considerou Luciano Barros.
O resultado é que a média de mortalidade infantil nas Cidades Gêmeas supera a média brasileira e há até mesmo alguns municípios que apresentam números dramáticos, de até sete vezes superior ao índice aceitável pela Organização Mundial da Saúde. Das 32 cidades, apenas três têm índice de mortalidade infantil inferior ao número máximo preconizado pela OMS.
Na economia, a falta de educação formal traz ainda outros reflexos. O PIB (Produto Interno Bruto) das Cidades Gêmeas é inferior à média brasileira. A consequência direta é a falta de empregos formais.
Os municípios de fronteira são mais dependentes de recursos provenientes de outras esferas de governo.
Outro reflexo direto da educação que não deslancha são os índices de violência, que em algumas Cidades Gêmeas superam em muito a média brasileira que é elevada e está muito acima do recomendável pela ONU (Organização das Nações Unidas).
Por fim, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal é baixo e o maior peso é justamente a educação. O IDHM de 2010, nas Cidades Gêmeas, ficou em apenas 0,674, inferior à média brasileira. E o que mais puxou para baixo o índice foi justamente a educação, com apenas 0,561.
Passos para a educação: fazer a tarefa de casa
O município com maior destaque no crescimento e na cobertura de matrículas no ensino fundamental é Barra do Quaraí, no Rio Grande do Sul, com elevação de quase 10%, saindo de 581 matriculados em 2015 para 639 em 2016. Barracão, no sudoeste do Paraná, vem na sequência, com aumento de quase 4%, saindo de 1.491 e saltando para 1.546.
Na ponta de baixo está o município de Chuí, no Rio Grande do Sul, com retração de 14,16%. Em 2015 eram 473 matriculados e no ano seguinte foram apenas 406. Também é do Rio Grande do Sul a segunda pior colocada, com queda de quase 7% nas matrículas, baixando de 231 para 215.
Foz do Iguaçu registrou retração nas matrículas, entre um período e outro, de 1,73%, Guaíra diminuiu 1% e Santo Antônio do Sudoeste 5,55% de queda.
A aprovação no ensino fundamental, entre as 32 Cidades Gêmeas analisadas, é maior nas cidades de Bela Vista (MS) com 90,20% em 2015 e 94,10% em 2016, e em Barracão (PR) com 95,90% e 93,90%. Os menores índices de aprovação estão nas cidades de Paranhos (MS), com 74,80% e 76,10%, e Jaguarão (RS), 78,30% e 80,10%.
Em Foz do Iguaçu os índices são de 89,5% e 87,3%, em Guaíra 90% e 86,8% e, em Santo Antônio do Sudoeste, 92% e 91,4%.
ENSINO MÉDIO
A evasão no ensino médio também ocupou local de destaque no diagnóstico. Os menores índices estão em duas cidades na fronteira no Rio Grande do Sul, São Borja e Aceguá, ambas com 0,30% em 2016.
As maiores estão em cidades de fronteira no Acre. Santa Rosa do Purus (8% em 2016) e Assis Brasil (5,7% em 2016), mas a maioria das cidades analisadas registrou número crescente do abandono dos bancos escolares.
A reprovação nessa fase do ensino é mais sevara em Porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul (31%), e em Chuí (34%). Ela é menor em Santa Rosa do Purus, no Acre, com 4%, e em Dionísio Cerqueira (SC), com 6,7%. No Paraná o menor índice foi em Guaíra (11,5%) e em Barracão (12,5%).
A evasão é mais preocupante em Tabatinga (AM) e em Quaraí (RS), onde 14 em cada cem matriculados em cada uma dessas cidades e que estão no ensino médio abandonam a escola em 2016. Porto Murtinho tem o menor índice, inferior a 1%. No Paraná ela atinge oi menor percentual em Barracão (6,1%) e em Guaíra (6,4%).
A saúde e a morte das crianças
Conforme o pelo Diagnóstico do Desenvolvimento das Cidades Gêmeas do Brasil, em 2015 o coeficiente de mortalidade infantil era de 12,63 mortes (crianças menores de um ano) por mil nascidos vivos. O índice esteve em queda durante 11 anos, mas voltou a subir em 2016, para 12,93, com a crise econômica. O considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde é de até dez mortes a cada mil nascidos vivos.
Em 2015, segundo o estudo divulgado ontem, 17 das 32 Cidades Gêmeas apresentavam coeficientes de mortalidade infantil superior à média brasileira.
O caso mais dramático era o de Santa Rosa do Purus, com 73,33 mortes a cada mil nascidos vivos.
No Paraná, a boa notícia nesse tópico veio de Barracão, onde não houve óbitos infantis em 2016, último ano analisado pelo estudo do Idesf. Já em Foz do Iguaçu foram 49 mortes, com indicador de 11,67 para mil nascidos vivos. Em Guaíra foram nove, com 19,19 para mil nascidos vivos, e, em Santo Antônio do Sudoeste, foram três óbitos, coeficiente de 11,07.
Os casos de HIV/Aids também ocupam local de destaque no levantamento, No cenário global das cidades analisadas, em 27 das 32 Cidades Gêmeas houve aumento na infecção pelo vírus em 2016 chegando à soma total de 251 novos casos.
O pior índice de infecção entre as 32 cidades está em Guaíra onde quase dobraram os registros, passando de 11 novos soropositivos em 2015 para 20 em 2016. A mortalidade entre os infectados foi de 64% em 2016 naquele município.
Em Foz do Iguaçu houve queda nos diagnósticos, de 64 (em 2015) para 46 (em 2016).
Comportamento da geração de emprego e renda
Segundo o Diagnóstico do Desenvolvimento das Cidades Gêmeas do Brasil, de 2008 a 2016 a situação pouco mudou em relação aos níveis de emprego e renda nas 32 Cidades Gêmeas. O percentual de empregos formais em relação à PEA (População Economicamente Ativa) continua abaixo da média brasileira e bem distante dos índices verificados nas capitais.
Em 2015, o percentual de empregos formais em relação à PEA, na média das Cidades Gêmeas, era de 23,55% com ligeira queda, chegando a 23,01% no ano seguinte.
De 2015 para 2016 houve queda no número de empregos formais em 21 Cidades Gêmeas brasileiras. Em pelo menos cinco delas os índices de pessoas empregadas formalmente são extremamente baixos.
A boa notícia, para as cidades paranaenses, é que nenhuma delas registrou retração na geração de emprego formal de 2015 para 2016, mesmo com o acirramento da crise.
Em Barracão a população com carteira assinada passou de 7.215 para 7.336; Foz do Iguaçu (a melhor posicionada entre as 32 analisadas) saiu de 186.162 para 186.630; Guaíra passou de 21.579 para 21.752; e, em Santo Antônio do Sudoeste, de 13.334 para 13.549.
PIB per capita
Já o PIB per capita das Cidades Gêmeas continua distante da média brasileira, o que vinha sendo observado desde 2008. Em 2016, a média foi de R$ 26.035,83 por habitante, enquanto o PIB per capita brasileiro era de R$ 29.326,37. Só quatro delas tiveram PIB superior ao brasileiro. Uma delas foi Foz do Iguaçu, que aparece mais uma vez como a melhor no Diagnóstico do Desenvolvimento das Cidades Gêmeas do Brasil. Em 2016, o PIB per capita da Terra das Cataratas foi de quase R$ 49,5 mil, já em Barracão foi de R$ 22,4 mil, em Guaíra foi de R$ 23,7 mil e, em Santa Antônio do Sudoeste, de R$ 20,7 mil.
RECEITAS MUNICIPAIS
Quando o assunto são as receitas municipais, o Diagnóstico do Desenvolvimento das Cidades Gêmeas do Brasil considera que um importante indicador para avaliar o desenvolvimento econômico do município é a arrecadação per capita e o quanto é gerado pela própria estrutura produtiva, sem depender de outros níveis de governo.
Cruzando as informações da arrecadação municipal com o PIB gerado, observa-se uma relação muito próxima.
Em 2015, a arrecadação em relação ao PIB gerado pelo município ficou em 8,18% na média das Cidades Gêmeas. Aqui, há um destaque negativo para a região oeste paranaense. O índice mais elevado nas Cidades Gêmeas foi em Santa Rosa do Purus (32,48%) e o menor foi em Foz do Iguaçu, com 6,14%.
Por outro lado, Foz é a cidade onde há maior autonomia financeira. Em um contexto global onde Cidades Gêmeas aparecem como mais dependentes de recursos provenientes de outros níveis de governo do que as grandes cidades brasileiras, a autonomia financeira municipal – a capacidade de gerir com seus próprios recursos – aponta que em Foz essa autonomia é de 43,72%. O percentual de transferências, por sua vez, foi de 56,28%. Já em Barracão a autonomia é de apenas 11,26%, em Guaíra de 33,91% e em Santo Antônio do Sudoeste de 20,23%.
Debilidade em segurança pública e o crime organizado
Considerando todos os dados do Diagnóstico do Desenvolvimento das Cidades Gêmeas do Brasil, foi possível identificar que todos os fatores somados – ou a falta deles – desponta na falta de estrutura de segurança que preconiza o crescimento do crime organizado. “Essa condição de abandono, quando tem uma população economicamente ativa não empregada formalmente, abre espaço para o crime organizado. Esse crime organizado tem um verdadeiro exercito à sua disposição, gente que não tem emprego e não tem renda”, reforça o autor do estudo, o especialista em fronteira Luciano Barros.
Apesar dos números em redução, as cidades paranaenses registraram em 2016 os seguintes índices de morte por arma de fogo: Barracão 9,73 para cada 100 mil habitantes, Foz do Iguaçu 31,07 para cada 100 mil habitantes, Guaíra 42,70, e Santo Antônio do Sudoeste, 9,97.
O bom IDHM
A boa notícia para as Cidades Gêmeas paranaenses é que dois dos quatro melhores Índices de Desenvolvimento Humano entre todas as cidades de fronteira analisadas pelo estudo estão aqui. Em um indicador que, quanto mais próximo de um indica mais desenvolvimento, Foz do Iguaçu alcançou no plano geral 0,751 e Guaíra, 0,724; na renda, Foz atingiu 0,748 e Guaíra 0,739; em longevidade Foz teve nota 0,858 e a Guaíra 0,836.
No tópico educação, Foz atingiu 0,661 e Guaíra 0,615. “São cidades com melhores condições, mas que caminharam por si só. O que precisamos é despertar esse diálogo em líderes regionais, em políticos que atuam nessas cidades nos governos dos estados e no governo federal. Essas cidades só vão se desenvolver de fato se houver uma política pensada para elas”, reforçou Barros.
Estudo quer sensibilizar governos
Não por acaso, o estudo é divulgado às vésperas das eleições. Também foi assim em 2014 e o objetivo é chamar a atenção dos gestores que concorrem a cargos eletivos de modo que possam voltar seus olhares para esses números e pensar no desenvolvimento como uma forma integrada, respeitando as peculiaridades de cada região. “O estudo contempla 32 Cidades Gêmeas brasileiras que vão desde o Rio Grande do Sul até o Amapá. São regiões diferentes, mas todas apresentam características similares: o abandono no desenvolvimento como um todo”, reforça o autor do estudo, Luciano Barros.
Ele reforça que as fronteiras são zonas muito ricas de potencialidades, mas que precisam ser trabalhadas de forma adequada e que precisam ser vistas como áreas integradas.
Apesar de Foz do Iguaçu ter despontado no estudo, aparecendo nele como um case de sucesso, o economista reforça que este desenvolvimento precisa ser sustentável e que deve ocorrer de forma mais rápida. “Não se pode esperar por décadas para que isso ocorra, as pessoas e estas regiões não podem esperar”, concluiu.
O estudo completo está disponível em http://www.idesf.org.br/2018/08/27/diagnostico-do-desenvolvimento-das-cidades-gemeas-do-brasil/.