Esportes

Jogadores de vôlei sentado brincam com preconceito às avessas

Quem vê pensa: Anderson Silva, com 2,12m, Frederico de Souza, de 2,00m, e Levi Gomes, com 2,03m, estão no lugar errado. Os três chamam a atenção porque são altos e, aparentemente, não tem deficiência física nem paralisia cerebral. Os três, que andam sempre juntos, defendem a seleção brasileira de vôlei sentado, essencialmente formada por amputados. Eles têm lesões mínimas nos joelhos e tornozelos, consequência das carreiras profissionais no vôlei convencional. Anderson e Levi, que foram para os Jogos de Londres, em 2012, brincam que sofreram preconceito na Vila Paralímpica mas que desta vez, no Rio-2016, o jogo vai mudar.

? Afinal, estamos na nossa casa ? diz Anderson, ex-atacante da Olympikus, Banespa e Unisul, bicampeão da Superliga que, após diversas lesões nos tendões dos joelhos, teve de se afastar das quadras em 2002. ? Em Londres foi engraçado. Ficavam nos olhando de cima a baixo, procurando nossa deficiência. E como não achavam, faziam cara de desaprovação. Lá, na nossa estreia, eu tive mais receio. Mas agora, após quatro anos, não tenho mais. Já conquistamos o respeito, ao menos no vôlei sentado.

Paralimpíada (ESPORTE) em 31 de agosto

Levi, que começou a jogar vôlei convencional no Flamengo e já defendeu a Olympikus, Pirelli, Palmeiras e São Caetano, não é tão otimista.

? Aparentemente eu não tenho nada. E andando junto com os outros grandões o povo olha mesmo e não gosta muito não. Mas, como estamos há quatro ano com essa seleção, espero não sofrer preconceito ? fala o atacante, que havia se aposentado em 2008. ? Passamos por avaliações e estamos dentro da regra. Então, não tem conversa. Acho que desta vez a gente só não passa despercebido por causa da altura.

Os jogadores do vôlei sentado são classificados como elegíveis e mínima elegibilidade. Na primeira, estão aqueles com amputações e com problemas locomotores mais acentuados. Na mínima, os atletas têm deficiências quase imperceptíveis, como problemas de articulação leves ou pequenas amputações nos membros. Cada equipe só pode contar dois jogadores de mínima elegibilidade, e os dois não podem estar em quadra ao mesmo tempo.

Em Londres, Levi era classificado com lesão mínima, mas agora, ?ganhou upgrade? e passou a ser deficiente. Por isso, o Brasil tem ainda Frederico, que estreia Paralimpíadas.

? Fiz uma cirurgia há cerca de dois anos e passei a ser deficiente. Tinha pouco movimento no pé por causa do meu tornozelo. Mas agora, com o pino que tive de colocar, perdi todos os movimentos ? explica Levi. ? De uma certa forma, isso ajudou a seleção porque só um atleta com lesão mínima fica em quadra. Era eu ou o Anderson. Agora, posso ficar direto e ele reveza com o Fred. O time ganhou em altura e ataque.

A seleção masculina é treinada por Fernando Guimarães, irmão mais novo do tricampeão olímpico Zé Roberto Guimarães. Em seu elenco, com 12 jogadores, cinco são vítimas de acidente de trânsito que tiveram de amputar uma das pernas (três sofreram acidente de moto e dois foram atropelados).

De Londres para cá, a seleção cresceu muito. Éramos 15.º do mundo e hoje somos o segundo, passamos, inclusive, a Bósnia ? Irã (com seleção formada por atletas que sofreram com um surto de poliomelite no país) e Bósnia (conta com muitos jogadores mutilados durante a guerra) são os mais fortes. Mas é um jogo. Podemos ganhar. Até porque, de Londres para cá, a seleção cresceu muito. Éramos 15.º do mundo e hoje somos o segundo, passamos, inclusive, a Bósnia ? fala o treinador, que foi vice-campeão Mundial (2014) e da Copa do Mundo (2016), perdendo justamente para estes rivais na decisão. ? Acho que tudo caminhou para cá. E viemos para ganhar medalha. Não tem plano B. Se der tudo errado a gente tem de ser no mínimo bronze.

O vôlei masculino estreou em Pequim-2008 e ficou em sexto. Em Londres-2012, os dois naipes jogaram e ambos terminaram em quinto.

No vôlei sentado, a altura da rede é mais baixa, se comparado ao vôlei em pé (1,15m no masculino e 1,05m no feminino). A quadra também é menor. Mas a contagem de pontos é igual (os sets tem 25 pontos corridos e tiebreak, 15). Além disso, é permitido bloqueio de saque, mas os jogadores devem manter o contato com o solo o tempo todo, exceto em deslocamentos.

? Fizemos um pacto de que não sairíamos mais do pódio ? fala o técnico, que desde 2013 está na crista da onda.

E agora, com os três grandalhões, ele diz que a seleção brasileira é a mais alta da Paralimpíada (saltou de média de 1,84 metro em Londres para 1,96 metro). E que esta será a primeira grande competição em que poderá contar com eles.

? Nos Jogos Parapan-americanos (foram ouro) os três estavam no elenco mas essa é uma competição menos forte do que o Mundial e a Paralimpíada ? pondera o técnico, que explica que a vantagem em tê-los no time vai além da altura. ? São caras experientes. Dão mais segurança ao time. É verdade que os que não tem as pernas são mais rápidos para se deslocar. Mas o Levi, por exemplo, é muito forte e é bem ágil. Em alguns casos é relativo.

Na Paralimpíada do Rio, o vôlei sentado será disputado no pavilhão 6 do Riocentro, de 9 a 18 de setembro.