Esportes

Estreante nos Jogos, Kosovo vem ao Rio para algo mais do que pódios

Um país com 1,8 milhões e oito representantes nos Jogos Olímpicos Rio-2016. Não são números tão impressionantes num universo que envolve mais de 200 nações de todos os continentes. Mas se tornam gigantes quando o lugar em questão nunca participou de uma Olimpíada por só ter sido integrado ao COI, em 2014, após ter conquistado a independência há oito anos num conflito sangrento. Este país é o pequeno Kosovo, encrustado na região dos Balcãs, que, lentamente, se recupera da guerra separatista com a então Iugoslávia, no fim dos anos 90.

Agora, presidido por um ex-guerrilheiro do Exército da Libertação do Kosovo (ELK), e ex-ministro das Relações Exteriores, Hashim Thaçi, que tomou posse em abril deste ano, Kosovo terá sua bandeira erguida pela judoca Majlinda Kelmendi, na abertura dos Jogos, na próxima sexta-feira, no Maracanã. Ela virá à frente dos outros sete atletas do país – além do judô, haverá representantes no atletismo, no ciclismo, natação e tiro -, que até o ingresso da nação no Comitê Olímpico Internacional (COI), em 2014, eram obrigados a competir por outra pátria ou ficavam fora dos grandes torneios.

– É evento histórico para Kosovo. É a primeira vez que nós estaremos nos Jogos Olímpicos, com a nossa bandeira. O país inteiro está celebrando. Esporte é uma das melhores formas para unir as pessoas, para celebrar junto e apoiar um ao outro. Para nós, isso é muito mais do que apenas competir. Significa que, finalmente, estamos sendo aceitos como um membro igual da comunidade inernacional. E será uma excelente oportunidade para promover o país, mostrar nossas conquistas como estado e sociedade – declarou o presidente Hashim Thaçi, em entrevista por e-mail ao GLOBO, lembrando que o Brasil ainda não reconhece o país, mas que pode ser um passo para mudar essa condição. – Nós gostaríamos que isso acontecesse o quanto antes, e agradecemos toda a ajuda das autoridades para a nossa vinda.

APROXIMAÇÃO COM UNIÃO EUROPEIA

Considerado um dos países mais pobres da Europa, Thaçi enxerga no esporte uma forma de integração nacional. Kosovo vive crise política, os opositores não aceitaram a derrota nas urnas, e o presidente sofre acusações de crimes na época da guerra, como tráfico de órgãos. Muitos não aceitaram a reaproximação com a Sérvia, responsável pelo genocídio no país pelas mãos do então presidente iugoslavo Slobodan Milosevic, e que ainda não reconhece a independência. O mandatário, no entanto, evita assuntos polêmicos e acredita que o caminho é o diálogo.

– O processo de independência teve a participação de vários órgãos internacionais, por isso deve ser o único multilateral. Nós estamos trabalhando para transformar o futuro e evitar as vítimas do passado. Por isso nós iniciamos o diálogo com a Sérvia, em 2013, com o objetivo de alcançar reconciliação e o reconhecimento mútuo – explicou o presidente, que acredita também na aproximação com a União Europeia, apesar de ser um país muçulmano e todas as questões que isso acarreta. – De fato, temos maioria muçulmana, mas é o que chamamos de islamismo europeu, uma interpretação mais tolerante e que não cobre toda a vida das pessoas. É apenas religião e não cultura. Nossa sociedade é tolerante. Isso é um valor não somente para Kosovo, mas também para a Europa. Este ano, nós assinamos um acordo de associação e estabilização com a União Europeia, que é o primeiro passo para nos tornarmos candidato e finalmente um estado membro da UE. A maioria do povo quer isso.

Hashim_Thaci_bio_v.jpgO conflito, além de dizimar centenas de kosovares, de maioria albanesa, impôs um êxodo de mais da metade dos habitantes para outros destinos mais seguros. Nessa leva muitos atletas de ponta partiram e se naturalizaram por outras nações. Entre eles, famosos jogadores de futebol, como o atacante Xherdan Shaqiri e o meio-campo Valon Behrami, ambos da seleção suíça, país que recebeu boa parte dos imigrantes.

– Os esportes e os atletas sofreram o mesmo destino do Kosovo nos anos anteriores e durante a guerra. A infraestrutura foi destruída, atletas foram deportados e privados do direito de desenvolver seus talentos. Nos anos seguintes, a ênfase foi na reconstrução do país. Após 2008, nós fomos capazes de nos concentrar nos esportes e atletas, com apoio a federações e ao comitê olímpico. Nós já estamos obtendo sucesso em competições internacionais, e o número de atletas profissionais cresce – afirma Thaçi, acrescentando que o país terá programas para evitar novos êxodos de talentos. – É natural que quem teve suporte de outros países tenha se naturalizado. Há quatro kosovares na seleção suíça e em outras seleções nacionais. Hoje, eles são como uma ponte com outras culturas e nos orgulhamos deles. Mas sabemos que temos de apoiar os aspirantes a atletas para que sejam convencidos a defender nossas cores agora. Assim que confirmamos a participação nos Jogos, todos se inscreveram para disputar as seletivas com o uniforme do Kosovo.

CHANCE DE MEDALHA

O futebol, inclusive, é o principal esporte do país e o preferido do presidente. Mas Kosovo não estará presente no torneio nesses Jogos. Porém, o país foi admitido em junho deste ano pela FIFA e pela UEFA, e poderá participar de competições europeias e internacionais. Inclusive das eliminatórias da Copa do Mundo de 2018.

– Eu costumava jogar futebol na infância e é um dos meus passatempos favoritos. Assim como muitos jovens, nunca me foi permitido pensar ou sonhar algo além de ter o futebol como passatempo. Agora, Kosovo jogará partidas internacionais e os jogadores podem sonhar alto. Já estamos pensando nas qualificatórias da próxima Eurocopa. Tem sido um ano de muito sucesso para os esportes e os atletas do Kosovo – encerra.

No Rio, a partir de hoje, Hashim Thaçi também estará no Maracanã para ver a bandeira do país tremular num grande evento pela primeira vez. A maior medalha, segundo ele, é a própria participação nos Jogos. Porém, a Majlinda Kelmendi pode fazer história e levar a primeira medalha de Kosovo. A judoca conquistou dois títulos mundias, em 2013 e 2014, na categoria até 52kg, e foi a Londres sob a bandeira da Albânia.

– Somente 50% dos países participantes tem mais que oito atletas nas Olimpíadas. Então, para começar, estamos bem. A seleção dos atletas é feita pelo COI por critérios estritos, por isso já é um sucesso para o país estar representado. Nós já somos vencedores – comemora o presidente.