?Nós conseguimos?. Foram as únicas palavras trocadas pelos irmãos britânicos
Brownlee depois de se jogarem no chão, extenuados, na Avenida Atlântica, em
Copacabana. Eles haviam acabado de cruzar a linha de chegada em primeiro e
segundo lugares numa das modalidades olímpicas mais difíceis: o triatlo.
Alistair, o mais velho, de 28 anos, chegou seis segundos à frente de Jonathan,
ou Jonny, de 26.
Momento histórico para a família que vive na cidade de Yorkshire, na
Inglaterra, e para o esporte britânico. Alistair foi o primeiro triatleta a
conquistar o bicampeonato olímpico ? a modalidade estreou em Sydney-200. Ele e
Jonny alcançaram ainda a façanha de serem os primeiros irmãos da Grã-Bretanha a
conquistar ouro e prata numa mesma prova.
? Foi emocionante, deitamos no chão e só fomos capazes de dizer: ?Nós
conseguimos, nós conseguimos?, e nos abraçamos. Após tudo isso, Al estava
jogando água em mim para ter certeza de que eu não iria ter um colapso na
chegada como aconteceu em Londres ? disse Jonny, que havia conquistado o bronze
em 2012.
A frase dos irmãos não se refere apenas às medalhas.
Eles conseguiram uma recuperação fantástica de lesões, que, por pouco, não os
tiram dos Jogos Rio-2016. Há mais ou menos um ano, o pódio de ontem estava mais
para um sonho distante. Principalmente para o agora bicampeão. Alistair teve de
passar por cirurgia nos ligamentos do tornozelo e só voltou a competir sem dores
no início de 2016. Jonny chegou a andar de muletas por causa de uma fratura por
estresse no pé. Ambos, porém, lutaram para chegar ao Rio no mesmo nível de
quatro anos atrás. E Jonny foi o carrasco e o maior incentivador de Alistair
neste período. Atletas do triatlo competem na zona sul do Rio
? Eu estava no meu limite, mas Jonny me matava no
treinamento, me empurrava, e eu passei pelo inferno. Foi tão difícil. Eu ia
dormir, mas não conseguia pois minhas pernas doíam muito. Eu acordava com dores
todos os dias e não era capaz de andar porque meus tornozelos estavam duros, mal
conseguia me mover. Tem sido assim nos últimos seis meses ? contou Alistair.
Porém, nem tudo foi tão fraterno na competição. A meta dos dois era ficar com
os dois primeiros lugares, mas não havia uma combinação prévia de quem seria o
ouro. A estratégia era um empurrar o outro e deixar os concorrentes para trás.
Isso, eles fizeram.
? Eu estou acostumado a ser batido por ele. Mas no início do dia o sonho era
ficarmos com o ouro e a prata, e foi isso o que conseguimos ? disse Jonny, que
está hospedado com o irmão em um hotel em Copacabana.
? Eu estava confiante que nós ficaríamos com o primeiro e o segundo lugares,
mas não sabia de que forma seria ? admitiu Alistair.
Após saírem embolados do mar no pelotão dos dez primeiros e se revezarem nas
primeiras posições na prova de ciclismo, a corrida foi o momento decisivo. Eles
deixaram o francês Vicent Luis para trás, faltando seis quilômetros para o
final. A disputa era apenas entre os dois. Ali, sabiam que o ouro e a prata
estavam garantidos. Mas quem ficaria com qual? Aparentemente, Jonny estava mais
inteiro na prova, enquanto Alistair amenizava o calor de 26° com várias garrafas
de água.
?RELAXA, FIQUE TRANQUILO, VÁ COM CALMA”
Parecia que ia ser ombro a ombro. No entanto, a dois quilômetros do fim, um
diálogo determinou o desfecho.
? No início da corrida, nós trabalhamos juntos. Vi que o
Luis estava começando a ficar para trás e disse para o Jonny: ?Vamos forçar
agora, temos essa vantagem, está tudo estabilizado. Sabíamos que estava muito
quente e não queria forçar cedo demais ? contou Alistair, que chegou a estudar
medicina por um tempo para seguir a carreira dos pais, mas abandonou em nome do
triatlo.
Jonny, no entanto, disse somente: ?Relaxe, fique tranquilo, vá com calma.?
Foi a deixa para o primogênito perceber que o irmão estava desgastado e aumentar
a vantagem sobre o caçula: são 17 vitórias contra sete.
? Quando ele disse isso, percebi que a corrida estava difícil para ele e
resolvi forçar. De repente, já estava 20 segundos à frente ? contou o bicampeão,
que mora e treina com o irmão, inclusive, dormem num ambiente com altitude
simulada para melhorar a performance.
? Nós tínhamos um plano e seguimos. Quando ele forçou a corrida, eu pensei
que estaria colocando em risco a medalha se eu fosse com ele ? admitiu
Jonny.
Com o ouro e o pódio em família garantidos, Alistair, ao contrário da prova
de Londres, pôde aproveitar cada segundo até a linha de chegada. Deu tempo de
tomar uma bandeira britânica das mãos de um torcedor, apreciar a vista da Praia
de Copacabana com o Pão de Açúcar ao fundo, e olhar para trás e ver o irmão se
aproximar. Ele cruzou a linha em 1h45m01s e esperou Jonny passar seis segundos
depois para celebrarem juntos o feito dos filhos de Cathy Brownlee, que foi
nadadora pelo País de Gales. Em terceiro lugar, ficou o sul-africano Henri
Schoeman. O brasileiro Diogo Sclebin terminou em 41º.
? Talvez, em quatro anos, quando ele estiver mais velho e mais grisalho, ele
ficará um pouco mais lento. Mas talvez ele não ficará… ? brinca o caçula da
família Brownlee.
Nem sempre, eles aceitam a derrota. Como bons irmãos, as
brigas existem e não há muita compaixão neste momento. Já houve caso de
Alistair, na passagem da natação para o ciclismo, pegar, sem querer, a bicicleta
do irmão, que é mais baixo. Jonny teve de pedalar com uma fora do seu tamanho.
Ontem, porém, tudo era festa.
? Agora vamos aproveitar a Praia de Copacabana. Estamos hospedados aqui, mas
ainda não pudemos aproveitar ? disse Jonny.