Brasília - A decisão do governo federal de acabar com a obrigatoriedade das autoescolas para quem deseja obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) pode atingir em cheio um setor que emprega mais de 300 mil trabalhadores em todo o país. Estima-se que cerca de 15 mil empresas do ramo corram o risco de fechar as portas, segundo a Federação Nacional das Autoescolas (Feneauto). Para a entidade, além da ameaça econômica, a medida compromete a segurança no trânsito e enfraquece uma política pública construída ao longo de décadas.
O presidente Lula deu aval à mudança, apresentada pelo ministro dos Transportes, Renan Filho. A proposta permite que candidatos às categorias A e B — motos e carros — estudem por conta própria ou com instrutor particular, ficando obrigados apenas a realizar os exames teórico e prático nos Detrans. Segundo o governo, a medida pretende reduzir custos e facilitar o acesso à habilitação, especialmente para trabalhadores que dependem da CNH como ferramenta de sustento.
Hoje, o valor médio para tirar a carteira varia de R$ 3 mil a R$ 4 mil, podendo ultrapassar R$ 5 mil em alguns estados. Com a flexibilização, o governo estima que os gastos do candidato possam cair até 80%. Já as autoescolas contestam, afirmando que o custo real de ensino teórico e prático gira em torno de R$ 1.350 e que grande parte do valor final corresponde a taxas cobradas pelos Detrans, não ao serviço prestado pelas empresas.
Formação
Para a Feneauto, a mudança desconsidera o papel das autoescolas na formação cidadã dos condutores. Além de ensinar técnicas de direção, esses centros abordam regras de circulação, sinalização, prioridades para pedestres e comportamentos em situações de risco. A entidade alerta que liberar candidatos sem preparação adequada pode elevar os índices de acidentes, num país que já registra números alarmantes de mortes no trânsito.
O setor também critica a condução política da proposta. A federação aponta falta de diálogo com as empresas e defende que a legislação de trânsito é competência do Congresso Nacional, conforme o artigo 22 da Constituição, não podendo ser alterada apenas por resolução do Contran. Diante disso, a medida pode enfrentar questionamentos jurídicos.
Argumentos
Apesar das críticas, o governo argumenta que a obrigatoriedade de autoescola é uma peculiaridade brasileira e que, em vários países, candidatos podem se preparar de forma independente. Reforça ainda que a proposta não elimina os exames, apenas a exigência de matrícula. Autoescolas continuarão existindo como opção, mas caberá ao candidato decidir se deseja recorrer ao ensino formal ou não.
A expectativa é que a proposta seja encaminhada à Casa Civil e regulamentada por resolução do Contran nas próximas semanas. Até lá, o embate deve se intensificar. De um lado, o Executivo insiste na redução de custos e na democratização do acesso à CNH; de outro, as autoescolas lutam para preservar empregos, empresas e a qualidade da formação dos motoristas.
O futuro da medida dependerá não apenas da articulação política em Brasília, mas também da reação da sociedade diante de um dilema sensível: reduzir o preço para o cidadão ou preservar um setor que movimenta milhares de empregos e desempenha papel relevante na segurança viária do país.