Quedas do Iguaçu – Reportagem exibida domingo passado pelo Fantástico da Rede Globo, que trouxe informações graves extraídas de estudo da Controladoria Geral da União, contou uma parte da história da ineficiência do projeto de reforma agrária no Brasil.
As sérias limitações do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), associadas a interesses no mínimo duvidosos, são um indicativo de que mudanças urgentes são necessárias para cumprir o que prega o Estatuto da Terra. O levantamento enumera absurdos gigantescos, como contemplar com lotes da reforma agrária políticos, empresários, menores de idade e até pessoas que já morreram.
O Incra até tenta se justificar, mas diante de situações tão agudas pouco ou quase nada do que argumente pode ser levado em consideração. O diagnóstico da CGU leva em consideração, entretanto, apenas doações de áreas a cerca de um milhão de pessoas em 20 anos.
40% vendidos
Caso a Controladoria tivesse meios para aprofundar a sua apuração e levar o estudo a campo, chegaria a conclusões ainda mais reveladoras. Pessoas que acompanham a movimentação e a realidade em assentamentos no interior do Paraná afirmam que a venda do direito do lote, o que é proibido, é prática frequente.
Levantamentos extraoficiais indicam que nos assentamentos Ireno Alves e Marcos Freire, em Rio Bonito do Iguaçu – áreas da antiga Giacomet e Marodin, hoje Araupel -, mais de 40% dos terrenos já foram comercializados. O índice chegaria a 30% no Assentamento Celso Furtado, em Quedas do Iguaçu. Dos 1,1 mil espaços criados sob as regras do Estatuto da Terra, documento de 1969 que baliza a reforma agrária, cerca de 350 já teriam trocado de mãos.
Em 83 lotes, só três moradores originais
O tamanho do descrédito e da ineficiência do atual modelo de reforma agrária brasileiro pode ser medido por outros números, muito mais graves do que os apurados pela CGU. Um deles vem do Assentamento Rio Perdido, o primeiro a ser criado na região de Quedas do Iguaçu.
Somente três das famílias originalmente contempladas com lotes há duas décadas permanecem no local. As outras 80 não estão mais lá. Os motivos do êxodo são os mais diversos, mas principalmente residem na venda irregular da área e no retorno às novas invasões na esperança de, mais uma vez, serem contempladas.
Estudos indicam que pelo menos 400 de 600 famílias assentadas em Goioxim, município próximo de Cantagalo, no Centro-Sul do Estado, comercializaram seus lotes. No Assentamento Manasa, em Porto Barreiro, que faz divisa com Laranjeiras do Sul, 37 dos 60 donos originais já teriam passado os pedaços de terra para frente.
Indícios de irregularidades em mais de 76 mil lotes
A apuração de informações cadastrais e o cruzamento de informações levou a Controladoria Geral da União a um número absurdo que, entretanto, é considerado pequeno diante do que realmente ocorre com o atual modelo de reforma agrária no Brasil.
Em pelo menos 8% do material que foi analisado, ou 76.436 lotes há sérios indícios de irregularidades. Caso outros desdobramentos verificados depois do repasse da terra fossem considerados, principalmente no que se refere à venda do direito à posse da área, o índice de problemas ultrapassaria os 40%.
A própria reportagem do Fantástico rotulou o cenário como a farra da distribuição de terras no País. Pelas regras atualmente observadas, todo trabalhador rural que não tenha sítio ou área agrícola pode se cadastrar no Incra. Ele precisa comprovar renda inferior a três salários mínimos.
A Controladoria também apurou que houve a homologação de 15.347 parcelas a favor de pessoas que já haviam sido anteriormente beneficiadas pelo PNRA (Programa Nacional de Reforma Agrária).
Também constatou-se que 4.245 unidades familiares contemplaram pessoas com renda familiar superior a três salários mínimos. Há ainda, ferindo princípios básicos da reforma agrária, repasse de terra a 8.519 menores de idades, de 7.872 lotes doados a empresários, 449 a pessoas que já morreram e 271 a políticos eleitos.
Atualmente, há 120 mil famílias na fila à espera de um dos lotes da reforma agrária. Parte das famílias assentadas atende aos critérios, não vendeu e vive do que extrai da propriedade.
A direção do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária reconhece que precisa modernizar e melhorar seus critérios de seleção e avaliação. Também garante que, caso as irregularidades apontadas pela CGU forem comprovadas, os lotes em questão serão retomados e entregues a famílias que comprovadamente precisem de terras para a sua subsistência.