NOVA YORK ? Desde ontem em cartaz no Brasil, ?Fragmentado? marca a volta à boa forma de M. Night Shyamalan, diretor de ?O sexto sentido? (1999). Não é pouca coisa. Desde ?Sinais? (2002), com Mel Gibson, ele não recebe loas de crítica e público no Hemisfério Norte. A princípio, a história de ?Fragmentado? é simples e centrada em Kevin, o personagem de James McAvoy que vive com um caso sério de transtorno de personalidade múltipla. Uma de suas identidades sequestra três adolescentes e as mantêm em cativeiro, no que parece ser um thriller psicológico à moda antiga, com pinceladas de terror. Mas, em se tratando do diretor americano de origem indiana, as surpresas se avolumam, e descobre-se que há mais relações entre ?Fragmentado? e ?Corpo fechado? (2000) do que pode imaginar o mais atento dos cinéfilos.
Salas e horários ? Posso complicar mais? ? brinca, sério, o diretor, que segue: ? James precisa encarnar nove das 23 personalidades de Kevin no filme, o que, por si só, já é algo dificílimo de ser feito sem cair na caricatura. Mas a trama só se resolve quando descobrimos a existência de mais uma personalidade, a mais terrível e cuja função central é proteger, a qualquer custo, todas as outras pessoas que existem dentro de Kevin. Faz sentido?
Fez para McAvoy. O ator leu o roteiro sem saber que ?Fragmentado?, afinal, era o retorno de Shyamalan a um personagem-amálgama, o multifacetado Kevin, criado pelo diretor há 16 anos. E que o filme seria uma espécie de sequência extraoficial de ?Corpo fechado?, protagonizado pelo super-herói vivido por Bruce Willis.
? Prefiro não saber de nada, e adoraria viver em um mundo onde fosse possível que o espectador também chegasse aos cinemas sem saber dessa ligação. Meu foco foi nos nove personagens que teria de interpretar e pronto. Tive uma semana de ensaios e muita concentração para sair de um e entrar em outro sem me repetir ou errar o sotaque, o tom de voz, os trejeitos, as caretas de cada um ? afirma o escocês de 37 anos, indicado ao Globo de Ouro de melhor ator por ?Desejo e reparação?.
O mais impressionante em ?Fragmentado? é justamente a capacidade de transformação de McAvoy ? muitas vezes, em uma única cena, ele precisa encarnar várias personas em um mesmo corpo. Com um filme de baixo orçamento para os padrões do cinema americano (US$ 9 milhões) ? e um faturamento, até o momento, de US$ 257 milhões em bilheterias mundo afora ?, Shyamalan voltou às graças de Hollywood depois de uma série de fracassos. Contribuíram para essa matemática a ausência de pirotecnias técnicas e efeitos especiais e a opção do diretor por longos takes que aceleraram o tempo de filmagem. Decisão que, por outro lado, não facilitou a tarefa de McAvoy de encarnar uma legião de seres distintos: uma criança (Hedwig), uma mulher (Patricia), o aparente vilão (Dennis), que sequestra as adolescentes, e um fashionista (Barry), a figura mais estereotipada da trama, com trejeitos um tanto ridículos.
? É importante enfatizar que esses personagens, cenas inteiras, na verdade, estavam prontos e guardados esses anos todos por Shyamalan. Ele sabia exatamente quem era cada um, suas motivações, como serviam à história individualmente ? diz o escocês. ? Como atuo desde os 16 anos, posso dizer que já interpretei, no teatro e no cinema, gente de tudo quanto é tipo, inclusive crianças e mulheres. Só não tinha feito tudo ao mesmo tempo, mas a adrenalina foi uma delícia.
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TRILOGIA ORIGINAL
Shyamalan frisa que, assim como o ator ao ler o roteiro pela primeira vez, o espectador não precisa saber detalhes da trama de ?Corpo fechado? para mergulhar na história de ?Fragmentado?:
? Quando você terminar de ver o filme pode, sim, pensar: ?Ah, preciso voltar lá atrás na filmografia dele pra entender a relação de Kevin com esse outro personagem?, mas isso faz parte do charme da produção, não é um imperativo para entender a montanha-russa de ?Fragmentado?.
McAvoy diz que o ineditismo desse trabalho o fez querer repetir a dose em um eventual terceiro tomo de uma história originalmente pensada ? jura Shyamalan ? como uma trilogia. A ideia de um ?Fragmentado 2? (ou ?Corpo fechado 3?) já saiu do papel. O diretor começou a esboçar um roteiro com as presenças do Kevin de McAvoy, do David Dunn de Bruce Willis e do Mr. Glass de Samuel L. Jackson. E só parou de escrever durante a turnê de divulgação do filme, que incluiu o Brasil, onde esteve nesta semana. O estúdio gostaria de lançar a sequência final da primeira franquia de Shyamalan em janeiro de 2019:
? Tenho o maior cuidado para não arruinar nada para quem vai ao cinema, mas, de certo modo, estou criando meu próprio universo aqui, à la Marvel, onde o extraordinário é possível. É quase como se eu tivesse percebido, anos depois, que ?Corpo fechado? era um comic book movie antes de eles explodirem em Hollywood. Por que não celebrar isso com uma trilogia original?
* Especial para O GLOBO, de Nova York
