COPACABANA
de Alice Sant’Anna
quando chegou em casa
o gato não estava na porta
como de costume o gato pensa
que é um cachorro
traz um elástico de cabelo
na boca para ser arremessado
e depois busca e devolve o elástico
de boca aberta, arfando
a noite é um cupido perigoso
é o que você pensa enquanto esconde
as unhas que esqueceu de cortar
olha para a piscina do hotel
onde vocês fingem que estão hospedados
no duzentos e um
só pela graça de tomar um táxi
rumo a um hotel na própria cidade
como naquele livro que fala
sobre ir a um restaurante com a namorada
e memorizar todos os gestos
para depois de meia hora voltar
e sentar na mesma mesa e pedir
o mesmo prato e reclamar igualzinho
que o ar condicionado
está muito gelado
por fim pagar a conta com a mesma nota
para deixar maluco o garçom
que não entende se aquilo é um déjà vu
se não está precisando descansar
se tem trabalhado demais
pergunta porque nesse hotel
as pessoas não se vestem
como nos anos cinquenta
se seria feliz morando aqui
com pouca coisa para carregar
além da roupa do corpo
ela insiste que não consegue
ver as mãos nos sonhos
antes de dormir você olha fixo para os dedos
para esse quarto que ainda precisa
de alguma parafernália para não ser
um duzentos e um qualquer
as coisas não podem
ser nem leves demais
nem pesadas demais
as coisas têm que ter um peso
muito específico
de manhã o gato olha pela porta
não lembra se as mãos apareceram
no sonho
dessa vez
Alice Sant?Anna (1988) nasceu no Rio de Janeiro. Publicou “Dobradura” (7Letras, 2008), “Rabo de baleia” (Cosac Naify, 2013, prêmio APCA) e “Pé do ouvido” (Companhia das Letras, 2016). Lançou também, de maneira independente, “Pingue-pongue” (2012), em parceira com Armando Freitas Filho, e “Ilha da decepção” (2014), com fotografias de Alexandre Sant?Anna.