CANNES ? Donos de duas Palmas de Ouro (por ?Rosetta? e ?A criança?), os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne tentam o tricampeonato com ?La fille inconnue?, exibido nesta quarta-feira (18) na competição do 69º Festival de Cannes. Aqui, o realismo social que marca a obra dos cineastas belgas ganham um tom de thriller policial. A trama, recebida com aplausos moderados da plateia de jornalistas, fala sobre uma jovem médica que, corroída pela culpa da morte de uma mulher desconhecida, tenta descobrir por conta própria a identidade da morta. Links Cannes 18/5
Na trama, Jenny (Adèle Haenel, vencedora de dois prêmios César) se recusa a atender uma suposta paciente depois do fechamento do consultório para descobrir, no dia seguinte, que ela foi morta nas imediações do prédio. A polícia começa a investigar o caso, a partir de imagem de câmeras de segurança e a busca por pessoas que possam reconhecer a vítima, mas não exatamente com a mesma intensidade da curiosidade da média. Ao mesmo tempo, se sente responsável pelo afastamento de seu estagiário, que desistiu da medicina depois de uma crise.
?La fille inconnue? retoma temas comuns aos filmes dos cineastas, como responsabilidade moral e social das classes dominantes sobre as menos favorecidas ? descobre-se que a vítima era uma imigrante africana. Como no recente ?Dois dias, duas noites? (2014), sobre uma jovem mãe de família que tenta convencer os colegas de trabalho a desistirem do bônus oferecido pela empresa, que tomará o seu emprego. O filme rendeu a Marion Cotillard uma indicação ao Oscar.
? Questões morais sempre partem de pontos de vistas pessoais. Nos sentimos compelidos a buscar histórias que explorem essa perspectiva ? disse Luc Dardenne, durante a coletiva de imprensa que se seguiu à projeção do longa-metragem. ? O público, claro, pode entender o filme como uma história que analisa a nossa sociedade de hoje.
?Ma? Rosa?, do filipino Brillante Mendoza, o outro concorrente do dia, também lida com o cotidiano de populações à margem da sociedade. A trama gira em torno de uma matriarca, conhecida no bairro onde mora como Ma? Rosa de uma família pobre da capital Manila, que sustenta o marido e os quatro filhos com os parcos lucros de um pequeno comércio doméstico. Quando ela e o marido são flagrados vendendo drogas, são obrigados a lidar com uma quadrilha de policiais corruptos, que exigem informações e dinheiro em troca da liberdade.
Os filhos do casal fazem de tudo para levantar o valor exigido pela polícia: vendem eletrodomésticos e penhoram celulares. O filho do meio, chega a fazer um programa sexual como um homem. O diretor de ?Kinatay? (2009) e ?Lola? (2010), retoma o cotidiano precário e violento das áreas mais carentes das grandes cidades filipinas, de ruelas estreitas e sujas, revelados por uma câmera documental.
? É uma realidade que me é muito familiar. A situação que aflige a família de Ma? Rosa está virando um estilo de vida. Como artista, me sinto no dever de mostrar isso, dividir o problema com o resto do mundo. Não podemos deixar que isso continue acontecendo ? comentou Mendoza durante a coletiva de imprensa.
Mais uma vez, o diretor volta a trabalhar com atores profissionais e amadores.
? É um processo que desenvolvi ao longo dos anos. Tenho que me familiarizar com os atores, e também com as comunidades, para nos aproximarmos dela, e saber exatamente o que filmar, e como filma ? explicou. ? Damos um roteiro para os atores, mas eles têm que ser espontâneos nas performances, naturais. Não precisam vir ao set com maquiagem, mas imersos nos personagens, não como atores. É difícil fazer isso, mas tem que colar todos esses elementos juntos, para chegar a esse estilo documental.
* Carlos Helí de Almeida está hospedado a convite do Festival de Cannes